A popular redução dos preços dos passes sociais adotada pelo Governo tem sido discutida, sobretudo, de dois pontos de vista. O primeiro, a injustiça implícita no financiamento nacional de uma medida que concentra a quase totalidade dos seus beneficiários em Lisboa e Porto.
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Num contexto em que se usa e abusa da retórica da coesão e apoio ao interior e territórios de baixa densidade não deixa de ser estranho (mas, infelizmente, comum) uma medida que se traduz no financiamento, pelos portugueses desses territórios, de uma vantagem concedida aos portugueses das áreas metropolitanas. A isto opõem os defensores da medida que os problemas do interior não podem levar a que se ignorem os enormes problemas das cidades e que existirão outras medidas para esses territórios (se com o mesmo impacto é a dúvida). O segundo tema é o eleitoralismo. Não deixa de ser "estranho" que a medida surja em ano eleitoral e concentre os seus benefícios em parcelas do eleitorado que tradicionalmente votam nos partidos que apoiam o Governo. A esta crítica responde o Governo com a simples coincidência...
Pouco ou nada se tem falado, no entanto, de como esta decisão exemplifica a forma, no mínimo descuidada, como se decidem políticas públicas em Portugal. O equívoco que mais tenho ouvido é de que não faz sentido criticar uma medida que todos reconhecem ter efeitos positivos. De facto, tornar os transportes públicos mais acessíveis é bom social e ambientalmente. Mas o facto de uma decisão produzir bons resultados não faz dela uma boa decisão... Num mundo de recursos escassos não basta gastar o dinheiro em algo de valor para podermos dizer que o gastámos bem. É necessário que não exista algo ainda melhor onde esse dinheiro possa ser gasto. Ora, ainda não vi nenhum argumento, debate, análise, e muito menos um estudo, que demonstrasse que não haveria usos alternativos melhores para esses recursos públicos. Aliás, como notava ontem José Manuel Fernandes, antes de decidir onde gastar devíamos começar por estudar se o problema existe apenas do lado da procura (que os passes aumentarão) ou também da oferta. O estado da nossa rede e a fraca qualidade dos nossos transportes indicia que também temos um problema de oferta. Esta medida concentra os recursos do Estado no aumento da procura, ignorando a melhoria da oferta de transportes. Por último, e como já aqui antes escrevi, esta medida contraria a lógica da descentralização que, para ser eficaz e politicamente legítima e séria, deve fazer coincidir o poder de decidir sobre os transportes com o pagamento dos custos dessas decisões. Tudo o contrário do que se fez.
*Professor universitário