Um indivíduo morre. Aparece-lhe o São Pedro que lhe diz: "tens três minutos para me convenceres de que deves ir para o Céu". Em vez de se tentar justificar, o sujeito começa a discutir que três minutos é pouco tempo, o que é o Céu, mais isto e aquilo. Esgotado o tempo, não disse nada em seu abono. Imagine o resultado.
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A actual discussão sobre a redução das despesas e as funções do Estado tem contornos que a aproximam da historieta anterior. Todos achamos que três meses são pouco tempo. Há quem não acredite no Inferno e outros que discutem a legitimidade do São Pedro. Entretanto, a despesa vai-se fazendo, o défice público acumulando-se e a hora da verdade aproximando-se.
É verdade que há muito ruído nesta discussão. O corte proposto é definitivo ou só até nos vermos livres da tutela da troika? No segundo cenário, o Governo tem uma legitimidade que não lhe assiste se estiver em causa uma reforma do Estado, para a qual são necessários consensos, cedências e negociações que garantam a estabilidade do resultado. É provável que a solução seja mista, com medidas adicionais limitando a despesa, mas insuficientes para alcançar a meta proposta. De uma maneira ou de outra, a discussão sobre as funções e o funcionamento do Estado tem de ser feita. Embora seja reducionista centrá-la no lado da despesa, os "três minutos" que temos a tal obrigam. Evitado o Inferno, podemos e devemos incluir outras variáveis e dimensões.
Uma das dificuldades deste debate reside em ultrapassarmos absolutos ideológicos, desde os que confundem serviço público com serviços do Estado aos outros que deificam a privatização. Não haverá aqui espaço para o pragmatismo dos que querem salvaguardar as funções do Estado, mas não lêem a Constituição como determinando o monopólio estatal? Não valerá a pena confrontar números, em especial quando coexistem oferta estatal e privada, mesmo levando em conta que essa comparação é dificultada, e as conclusões condicionadas, pela má qualidade dos dados? Esse é um problema com que se confronta quem decide sobre o serviço público. Será exagerado afirmar que "não se pode gerir o que não se pode medir", mas a falta de informações credíveis abre espaço ao arbítrio estribado na ideologia, qualquer que ela seja. Talvez isso explique a eternização dessa limitação!
Ainda que padecendo desse pecado original, foram, nos últimos tempos, dados a conhecer dois estudos sobre os custos do Ensino Básico e Secundário. A mim, surpreendeu-me sobretudo a disparidade de custos dentro do sector estatal, não apenas entre regiões como na mesma região. Quando as regras e orientações são as mesmas, parece-me fundamental tentar perceber o porquê dessas diferenças, aferir se têm ou não repercussões no aproveitamento dos alunos e divulgar, e premiar, as melhores práticas. Qualquer empresa faria isso e não acho que, neste caso, haja muitos argumentos para não adoptar essa prática.
Imaginemos, entretanto, que essa empresa pretende decidir se quer manter essa actividade internamente ou subcontratá-la. Como é óbvio, nessa decisão tomaria em consideração a totalidade de custos, desde as remunerações até ao equipamento e instalações. Se fossem maiores do que os da alternativa, poderia manter a operação se, e enquanto, não tivesse de fazer mais investimento. Nesse período, a empresa olha só aos custos que evitaria se encerrasse a função. Se estes forem menores do que o que teria de pagar se recorresse ao mercado, compensa manter o serviço. Transitoriamente. Cedo ou tarde, será necessário reparar ou substituir equipamento ou instalações. Nessa altura, a melhor opção tornar-se-á evidente.
Quando está em cima da mesa garantir que o Estado não deixa de cumprir certas funções sociais, importa criar as condições para analisar com rigor o custo das alternativas para cumprir o serviço público. O estudo encomendado pelo Ministério da Educação só olha para o curto prazo e para os custos directos, permitindo leituras equívocas e, até, decisões erradas, com consequências gravosas para o contribuinte. É pouca ajuda para o debate sobre as funções do Estado. Um passo para o lado.