<p>"Se fosse um processo de corrupção, de usurpação de poderes ou de abuso de confiança no exercício de cargo público, ainda se poderia colocar a questão. Não vejo que este processo seja um capitis diminutio para o exercício da cidadania do dr. Gonçalo Amaral". Em três penadas, é um verdadeiro perfil de candidato a uma função pública que o presidente da Distrital do PSD-Algarve traça, embora o seu comentário se cinja à intenção de colocar o ex-inspector da Polícia Judiciária (PJ) que investigou o "caso Maddie" na corrida à Câmara de Olhão. </p>
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No processo judicial que Mendes Bota entende não constituir um capitis diminutio - tradução livre: retirada de direitos - Gonçalo Amaral é acusado de omissão de denúncia e falso testemunho. O caso não é uma bagatela. Envolve ainda quatro antigos colegas seus na PJ, suspeitos de tortura a Leonor Cipriano, que cumpre pena pelo homicídio da filha Joana, desaparecida no Algarve.
Não faço ideia se Gonçalo Amaral é culpado dos crimes que lhe apontam - até prova em contrário, tem direito à presunção da inocência. O que interessa não é isso. É saber se, nestas condições, não deve inibir-se de disputar um cargo político, até que a suspeita se dissipe de vez. Melhor: se quem tem o poder de o convidar não deve pensar duas vezes. O que vale a pena analisar não é a questão judicial; é a política.
Bota não vislumbra no processo em julgamento o mais pequeno obstáculo a uma candidatura de Gonçalo Amaral. Concede que se fosse um processo de corrupção, usurpação de poderes ou abuso de confiança no exercício de cargo público, talvez a coisa fiasse mais fino. Como quem diz: o que possa fazer fora das horas de expediente é lá com ele.
Nas diversas declarações públicas sobre o assunto, acabou, no entanto, por esclarecer o que mais valoriza, na definição do tal perfil político: a "escolha de pessoas com notoriedade pública". Ora aqui é que está o busílis: importante, importante não é optar por quem pode ter um desempenho de excelência, mas por gente conhecida, mesmo que de outros carnavais. Por quem, afinal, é capaz de ganhar eleições, critério que Bota e o PSD privilegiam.
Suspeito que a estratégia - que nem sequer é uma originalidade do PSD, diga-se de passagem - deve provocar urticária a Marques Mendes, o homem que ousou tirar o tapete a autarcas como Isaltino de Morais e Valentim Loureiro, por considerar que não reuniam condições de credibilidade política para representarem o partido. Perdeu duas câmaras, mais tarde teve de fazer as malas. E o seu exemplo nesse domínio, se ficou foi para meter no livro de história do PSD, que um dia há-de escrever-se. Antes disso, não há quem o siga, tamanha é a sede de poder.