<p>A novela arrasta-se sem fim à vista. PS e PSD não se entendem - nem dão sinais de querer entender-se - em torno da escolha de uma personalidade que substitua o actual provedor de Justiça, cujo mandato cessou há oito meses. Os líderes parlamentares dos dois partidos têm conversado sobre o assunto - até recentemente, na sequência do enésimo protesto de Nascimento Rodrigues - mas fumo branco é que nem vê-lo. É evidente que o cargo adquiriu especial importância no negócio de distribuição de cadeiras em funções públicas que só PS e PSD podem protagonizar, por força da maioria qualificada que a designação dos titulares exige. Resta saber porquê.</p>
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O impasse dá um péssimo exemplo à Administração Pública. Se os políticos remetem a questão para o baú dos pendentes, apesar de Nascimento Rodrigues insistir na premência de passar a pasta, por que tem a Administração Pública de dar resposta aos requerimentos do provedor, que tantas vezes olha de soslaio e encara como um intrometido?
Nascimento Rodrigues, é justo reconhecê-lo, levou a peito a independência que o sistema proporciona ao cargo, aliás na esteira dos seus antecessores. Exerceu funções como efectivo defensor dos cidadãos, doesse a quem doesse. Não concentrou exclusivamente esforços na correcção de abusos cometidos por serviços públicos; usou até ao limite os instrumentos de intervenção que a lei lhe confere, chegando a penetrar em domínios que já se encontram na fronteira da esfera política. Desferiu, por exemplo, um fortíssimo ataque ao Estatuto Político-Administrativo dos Açores, requerendo inclusive a apreciação da constitucionalidade, quando percebeu que o diploma cria provedores de justiça regionais, desfazendo o princípio da unicidade do cargo.
O estatuto, é sabido, recolheu inicialmente o beneplácito de todo o espectro parlamentar. E as divergências posteriores nunca passaram por aquela questão. É por isso legítima a suspeita de que socialistas e social-democratas andam a encanar a perna à rã não porque desejem encontrar uma personalidade forte para tomar o lugar de Nascimento Rodrigues, mas precisamente pela razão contrária. Convidar alguém dócil, que não levante ondas, não é difícil. O problema é que o indigitado tem de preencher uma terceira condição: agradar aos dois parceiros envolvidos.
Na versão conspirativa, enquanto o pau vai e vem esvazia-se o cargo de prestígio (e talvez mesmo de eficácia). Numa perspectiva mais benigna, mantém-se o dossiê em banho-maria apenas para que Nascimento Rodrigues - refém que é de estratégia alheia - sinta que a cada dia que passa se perde mais uma fatia da dignidade institucional do cargo. Afinal, ainda é provedor, mas está fora de prazo.