As revoluções anunciadas nunca se concretizam, diz um velho e certeiro provérbio alemão. Lembrei-me do adágio germânico quando, na semana passada, o líder do PS deu a entender que, com jeitinho, ainda iria conseguir que reformados e funcionários públicos perdessem apenas um dos dois subsídios (Natal e férias) que o Governo lhes tirará no próximo ano. António José Seguro jogou uma cartada demasiado alta, dadas as circunstâncias. Deu no que deu: o Governo quer agora, piamente, dar "um rebuçado" a Seguro, por este se ter comportado à altura na votação do Orçamento do Estado (OE). Triste e nada glorioso fim, portanto, para o novel líder dos socialistas.
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Verdade que Miguel Relvas, um dos mais influentes ministros do Executivo de Passos Coelho, andou de beijo na boca com Seguro durante dias, deixando criar no líder do PS a expectativa de que a proposta teria pernas para andar. Verdade que o presidente da República voltou a pedir "equidade" nos sacrifícios, indo ao encontro de Seguro. Verdade que Rui Rio deu uma entrevista em que, com a foto de Cavaco ao lado, pedia o mesmo que o chefe do Estado. Verdade que a Igreja, ela própria, saiu em defesa dos pobres e marginalizados, tudo dando a Seguro a ideia de que estava montado um cerco de que o Governo não conseguiria sair.
Erro primário, o de Seguro. Se Passos Coelho voltasse atrás, aceitando a existência de uma folga no OE para acomodar o pedido do PS, poria em xeque não apenas o seu ministro das Finanças, mas todo o capital que foi acumulando nos primeiros meses de governação (as sondagens mostram bem a empatia que conseguiu estabelecer com o eleitorado, apesar da grave crise que vivemos).
A "revolução" que o líder do PS queria fazer, ao apresentar como possível o corte de apenas um subsídio, foi mal calculada e pior anunciada. António José Seguro deveria, com solenidade, ter apresentado as continhas, muito bem feitas, antes ou no início do debate do OE, mostrando como e onde pode o Governo ir buscar os mil milhões necessários para tapar o buraco que ele quer abrir. Não o fazendo, há duas reflexões e uma consequência inescapáveis, todas pouco abonatórias para o líder do PS.
Ou Seguro se convenceu, nas conversas com Passos Coelho, de que o Governo estaria disposto a procurar no OE a almofada que lhe permitiria fazer um bonito, ou Seguro fez mal as contas, numa demonstração de pouca competência para o cargo. Seja como for, o líder do PS está hoje numa posição de fragilidade pouco recomendável: está nas mãos do Governo, que se dispõe a dar-lhe "um rebuçado" para lhe aconchegar o erro. Ora, rebuçados, prendas e carinhos dão-se a quem se porta bem e não estorva o adversário. Convenhamos: não é isso que se espera do líder da Oposição: dele espera-se que, com responsabilidade, aponte caminhos alternativos. Desde que façam sentido e sejam realistas.
Sim, é verdade: Seguro pode chamar Cavaco, Rio, a Igreja e muita outra gente que partilha o seu desejo. Sucede que Cavaco, Rio e a Igreja podem falar sem fazer grandes contas. Seguro não pode. Sob pena de nunca concretizar as "revoluções" que preconiza.