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Confrontado com a forte contestação à política do seu Governo relativamente ao portajamento das SCUT, o primeiro-ministro resolveu tomar o assunto a sério, e anunciou que todas as sete SCUT existentes, bem como as que vierem a ser realizadas, terão portagens, mas que nenhum dos residentes na área dessa auto- estrada, ou com actividade registada na mesma área, as terá de pagar, realçando que essa é seguramente a "melhor forma de responder a todas as inquietações de igualdade e de justiça" que a sua implementação tem vindo a suscitar, nomeadamente "aquelas que foram expressas por responsáveis políticos e personalidades do Norte".
Naturalmente, deve saudar-se o recuo do Governo, pela mão do primeiro-ministro, que percebeu aquilo que os seus ministros sucessivamente alertados para os dados do problema se tinham recusado a admitir. Como José Sócrates muito bem disse, "quando alguém não paga portagem, outros estão a pagar por ele", e não fazia qualquer sentido impor aos cidadãos do Norte o dever de pagar por todos os outros, tanto mais que a justificar-se uma discriminação regional, ela teria de o ser a favor da nossa região, como o indicam todos os critérios de convergência. Esta região tem sido discriminada negativamente em todas as opções do Governo, nomeadamente no que diz respeito às obras públicas, o que é paradoxal e inaceitável, já que tem sido a região do país mais fustigada pela crise estrutural, pelos problemas conjunturais, e pelo desemprego que, pelo menos a ajuizar pelo que têm prometido os nossos governantes, o investimento público ajudará a resolver.
Emendar a mão, por tarde que seja, é louvável e sempre oportuno, mas também deve ter consequências políticas. Ora, neste caso, os ministros desautorizados pelo gesto avisado e oportuno de José Sócrates, que compreendeu os sinais que lhe chegavam e lhes deu ouvidos, deveriam ser capazes de assumir essas consequências. Como o Governo deveria anunciar quem foram os autores dos incompetentes estudos que fundamentaram a sua decisão inicial, e garantir que, doravante, esses mesmos estudiosos e essas empresas especializadas em tirarem as conclusões que lhes são previamente encomendadas nunca mais serão contratados pelo Estado. E, enquanto a proposta do primeiro-ministro não for clara, enquanto não se conhecerem os seus contornos concretos e a sua exequibilidade técnica, é natural que a oposição chumbe a implementação do sistema de "chips" que, para além do mais, colocam sérias suspeitas em termos de privacidade e de tutela de direitos fundamentais
Ainda assim, convém não ignorar que o primeiro-ministro olhou pessoalmente para a questão porque houve sintonia entre os responsáveis políticos e outras personalidades do Norte, como foi o caso do presidente da Junta Metropolitana e do bispo do Porto. Foi muito importante que a região tenha falado neste caso (quase) a uma só voz, o que raramente acontece.
Como tive oportunidade de dizer, há já algumas semanas, "ilude-se quem acredita que o Norte tudo irá aceitar com conformismo e resignação. Há hoje um sentimento latente de injustiça, face ao sobrepeso do Estado que se concentra em Lisboa e aniquila as nossas empresas, e um sentimento inequívoco de revolta contra a duplicidade dos políticos, principalmente daqueles que esquecem o interesse dos seus eleitores". Como também disse, nesse mesmo discurso, "não haverá coesão nacional nem uma comunhão de vontades para sobreviver à tormenta e ultrapassar a crise, sem coesão social e coesão territorial".