1. Já o escrevi neste mesmo espaço, a propósito da discussão sobre a eutanásia. Mas vale a pena voltar a escrevê-lo, porque, mesmo que seja óbvio para a maioria, haverá ainda quem não tenha percebido: o que está em causa não é matar, é morrer.
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Ou seja, o que a Assembleia da República tem de decidir não é se o Estado pode ou não matar um cidadão. O que os deputados têm de decidir é se o Estado deve ou não permitir que haja assistência médica a um ser humano que quer morrer com dignidade, poupando-o assim a um sofrimento desnecessário. Cada um de nós terá a sua opinião. Haverá muita gente que considera que a eutanásia é inaceitável. Que a vida é para ser mantida até ao último fôlego, mesmo que já seja uma vida mecânica, sem consciência, e, portanto, uma mera antecâmara da morte. Têm todo o direito de a recusar para si. Mas é na verdade difícil perceber que queiram impor a sua mundivisão aos outros.
2. Luís Montenegro tirou da cartola o referendo à eutanásia. Curiosamente, o líder do PSD tem recusado dizer como votaria, se fosse deputado. Se pretende, como diz, "um debate profundo e aberto na sociedade", não deveria ele, o líder do maior partido da Oposição, explicar o que pensa sobre o assunto? Ou será que está à espera de ver para que lado sopra o vento? Suspeito que não haverá resposta, nem ao que pensa, nem ao que quer. A posição de Montenegro é ainda mais escorregadia se recuperarmos uma frase de há escassos quatro meses: "Fazer um referendo neste quadro crítico e delicado seria uma irresponsabilidade, uma precipitação e um erro. Os portugueses não compreenderiam. Tenhamos as noções das prioridades". Foi em julho, sobre o processo de regionalização. Resumindo, a pulsão referendária de Montenegro esgota-se em questões de consciência. Na verdade, questões pessoais, íntimas. Essas são para debate público alargado. Já um referendo quanto a uma questão que tem a ver com a nossa vida coletiva, com o modelo de gestão pública do país, Montenegro acha que é delicado. Parece um bocadinho esdrúxulo, não parece?
*Diretor-adjunto