Saímos do metro. Tínhamos dois minutos a pé até ao ponto da rua em que cada uma seguiria o seu caminho. Mas naquele momento, naquele minúsculo ponto do Universo, ela só me tinha a mim ao lado, uma estranha. E eu a ela. Desacelerou o passo, fez um tímido sorriso e disse-me um bom dia que não soava à Porto.
Assim de rompante, como uma tempestade que desaba, contou-me a vida numa penada. Era de Vila Real, estava a mais de 100 quilómetros de casa, fugida, por ser vítima de violência doméstica, a viver numa casa-abrigo. Tinha saudades das amigas. Cabelo curto, na casa dos 50. Olhos de criança, cheios de vida, mas amedrontada.
Uma vida que dava uma reportagem, contada numa subida de elevador e num pequeno pedaço de rua. Não me lembrei de lhe pedir o contacto, tampouco lhe disse que era jornalista. Limitei-me quase só a ouvir, a desejar-lhe sorte e a indicar onde poderia tomar um bom café.
Divergimos nos sentidos. Mas ela continuou no meu pensamento. Quão sozinha se deveria estar a sentir para partilhar a dor que levava na alma comigo, uma estranha. Quando esta semana uma autoridade de saúde norte-americana e o cirurgião Vivek Murphy alertaram para uma velha tese, já provada em diversos estudos ao longo da última década, de que a solidão pode ser tão perigosa quanto fumar uma dúzia de cigarros, lembrei-me dela.
As mágoas vividas a solo fazem medrar a diabetes, o colesterol, o alcoolismo, etc., etc. Há milhões de pessoas "À espera de Godot", como escreveu Samuel Beckett, à espera de um abraço que não chega, de um amigo que não chega, de um ombro que não chega, porque ter 200 gostos no Insta é igual a nada, vazio. E pelo que vejo à minha volta esta doença deste século, a solidão, não ataca apenas uma faixa etária de cabelos brancos, aflige quem ainda está a anos-luz da reforma, e que só tem "companhia" no trabalho.
Atinge quem ainda não usa bengala, mas chega a casa e se sente manco e se liga às redes sociais para se amparar. Neste mais recente grito sobre o tema, refere-se que a solidão aumenta o risco de morte prematura em 30%.
A situação é de tal forma grave que nos EUA a solidão foi declarada uma epidemia de saúde pública. Sabemos todos que os sucessivos isolamentos vividos nos anos de pandemia só vieram diminuir os contactos com família e amigos. Os ecrãs entretêm, mas são como uma chiclete que não mata a fome de um simples chi-coração.

