Os meus amigos de Nova York experimentaram um sentimento de alívio e de consolação ao tomarem conhecimento da morte do autor moral dos atentados de 11 de Setembro de 2001.
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Por pudor e escrúpulo, visto que, de certa forma, estava em causa celebrar a morte de um homem, não se juntaram às manifestações da primeira hora que tiveram lugar no Ground Zero, mas compreendem que o tenham feito muitos daqueles que perderam familiares e amigos nos actos de violência planificados por Bin Laden.
Não é possível aplicar, com precisão, a este caso, o conceito de justiça, na sua plenitude, mas será possível pensar os "actos de terrorismo" com base em juízos de valor adequados aos tempos de paz ou mesmo à guerra convencional? O terrorismo da Al-Quaeda e outros grupos fundamentalistas define-se pelo objectivo de atingir vítimas inocentes. Confere aos cidadãos comuns o mesmo estatuto dos militares armados e fardados O politólogo Mitchell Cohen, que reflectiu sobre a temática da "guerra contra o terrorismo", num debate, organizado pela Fundação Luso-Americana, recordou que Bin Laden "disse várias vezes muito explicitamente: "se és americano e pagas impostos, és tão culpado como qualquer líder " (entrevista ao "i")".
A necessidade de responder aos atentados de 11 de Setembro era uma evidência, mas é legítimo discutir a natureza e o tipo de resposta. Por tudo o que sabemos hoje, a guerra contra o Iraque não se pode inscrever no domínio das reacções aos acontecimentos das Torres Gémeas e do Pentágono. A operação armada contra a residência onde Bin Laden se encontrava protegido no Paquistão, essa sim, constitui uma resposta tardia, mas legítima.
Não está em causa a justiça no sentido de recurso ao Tribunal Penal Internacional ou organismo semelhante. Mas, ao menos, evitou-se uma encenação grotesca, semelhante à que se passou no Iraque com o julgamento de Saddam Hussein e o espectáculo televisivo da sua execução. A expressão usada pelo Attorney General dos Estados Unidos parece adequada para qualificar a operação de comandos desencadeada pelas forças armadas americanas no Paquistão: "justifica-se (a acção armada) com acto de auto-defesa". Um acto de auto-defesa no contexto da guerra terrorista declarada pela Al-Quaeda.
Não vivemos no melhor dos mundos possíveis, ao contrário do que dizia o Sr. Pangloss. Por isso, talvez o pragmatismo comedido do Presidente Barack Obama tenha sido a melhor solução. Obama agiu com sentido estratégico, desde a autorização para desencadear a operação, ao silêncio guardado na cerimónia do Ground Zero, em sinal de respeito pelos mortos de 2011, e à decisão de não divulgar as imagens de Bin Laden morto, evitando imitar o comportamento da administração Bush II no caso de Saddam.
O mundo transformou-se muito nos (quase) dez anos decorridos após os eventos das Torres Gémeas e do Pentágono. Por isso alguém falou em "dupla morte de Bin Laden" (Bernard Guetta) - morte física do suposto "profeta" islâmico, mas também morte do seu plano de "islamização" universal. As revoltas da Líbia, do Egipto ou da Síria não se reclamam do fundamentalismo islâmico. Não é possível prognosticar aonde conduzirão, mas é visível que não se inscrevem na lógica do afrontamento entre o Islão e as democracias ocidentais.
Ainda é cedo para descortinar todas as consequências internas e externas da morte de Bin Laden. Na política americana, solidificou-se a posição do Presidente Obama, enquanto líder capaz de assumir decisões de risco. No plano internacional, é provável que desencadeie retaliações da Al Quaeda, ao mesmo tempo que tornou ainda mais complexas as relações entre os Estados Unidos e o complexo Paquistão. Talvez a retirada gradual do Afeganistão seja facilitada por esta operação. Mas o mais importante, do ponto de vista da Casa Branca, foi transmitir ao mundo que o poder americano não deixará impune quem cometer actos de terrorismo contra a América, mesmo que, no caso do 11 de Setembro, a punição tenha chegado tarde, quando já poucos acreditavam nela.
