<p>Quando um manifestante ergue uma bandeira com o slogan "trabalho britânico para trabalhadores britânicos", o rótulo é tentador: xenofobia. Se quem o aplica pensar duas vezes, talvez corrija o tiro, por demasiado simplificador. O que se passou por estes dias na refinaria de Lindsey, em Inglaterra, pode ser mais instinto de sobrevivência - se não expressão de desespero - do que ódio ao estrangeiro, que rouba o emprego.</p>
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Lá como cá, é certo, o impulso para encontrar um culpado nem sempre é reprimido. Estando bem na vida, somos muito solidários. Mas se nos sentimos acossados, se lá em casa falta o mínimo para uma vida decente, vem ao de cima o pior do ser humano. E tomamos atitudes que nunca tomaríamos. O episódio de Inglaterra é, neste sentido, um sinal dos tempos - com afloramentos nos Estados Unidos, de que também já há notícia. Suscita, porém, outras reflexões.
Vejamos os ingredientes: uma refinaria francesa em solo inglês, trabalhadores portugueses, italianos e, claro, britânicos. Parece o guião de um filme sobre a economia globalizada, capaz de lhe retratar virtudes e defeitos. Como a livre circulação de capitais, que podem escolher o poiso, quantas vezes tirando as medidas às subvenções estatais, cada vez mais generosas. Como a mobilidade dos trabalhadores, empurrados para o cumprimento de regras que os penalizam.
Por imperativos de natureza económica, que só por coincidência podem ter a ver com a nacionalidade ou a cor da pele, "trabalho igual, salário igual" não é refrão que sirva a esta canção. Portugueses e italianos não foram recrutados para a empreitada na refinaria pela sua competência, mas pelo preço do seu trabalho. Ficam mais em conta a quem os contratou. Estão mais expostos. E vêem-se obrigados, com mais frequência do que possa pensar-se, a comer e calar. Os que entretanto partiram, temendo pela sua segurança, hão-de ser substituídos por outros, porque o que não falta é oferta de trabalho. Uma realidade que o movimento grevista relegou para segundo plano ou mesmo ocultou.
O que ficou bem patente foi a dificuldade dos sindicatos em lidarem com situações desta natureza. Os de âmbito nacional, desde logo. Preparados para defender trabalhadores, genericamente considerados, ficam em maus lençóis quando uns se viram contra os outros. Aí, têm mesmo de colocar-se ao lado dos filiados, dos que pagam quotas, dos que lhes exigem acção. Dos compatriotas, portanto. Assim, esteve em causa um teste à validade de discursos "transnacionais" (para não dizer "internacionalistas") que proferem, sabendo que não dispõem de força suficiente para impor mudanças. Daí também o mal disfarçado incómodo da Confederação Europeia de Sindicatos.