Um Governo de maioria absoluta tira poderes à Assembleia da República e subtrai influência ao presidente da República. Por isso, os partidos com assento parlamentar e o próprio Marcelo Rebelo de Sousa são tentados a protagonizar momentos de relevância.
Corpo do artigo
Talvez a divulgação do novo elenco governativo pelos média tenha provocado muito desagrado em Belém, mas, ao cancelar o encontro com o primeiro-ministro, o presidente da República não exprimiu apenas irritação. Chamou a si a visibilidade mediática que o Governo iria capitalizar em exclusividade. Àqueles que já vaticinaram a insignificância de Marcelo neste novo quadro político, foi dado aqui um sinal de que os poderes presidenciais estão em aquecimento para uma legislatura de uma coabitação que decerto trará outros momentos críticos. Desta vez, o otimista irritante poderá não encontrar no otimista realista o presidente do anterior mandato. Marcelo sabe que uma maioria absoluta o dispensa do papel de mediador e lhe subtrai capacidade de influência. Por isso, terá de descobrir outras esferas de atuação. Uma das mais tentadoras, e arriscadas, será a do contrapoder.
No Parlamento, poucos dias antes de arrancar a nova legislatura, a Iniciativa Liberal instalou a polémica. Motivo: a escolha dos lugares onde se irão sentar os deputados. Cotrim Figueiredo quer ficar entre o PS e o PSD. Com isso, posiciona o seu partido ao centro, distancia-se do Chega, apresenta-se como o líder da oposição de Direita e, no limite, mostra-se como novo elemento de um futuro arco da governação. O PSD já classificou tal pretensão como uma brincadeira de mau gosto, o que reflete algum temor pela ambição da IL. Não se trata propriamente de um desiderato inesperado. Na Alemanha, os deputados do Free Democratic Party, partido de ideologia liberal, também declararam que não queriam sentar-se ao lado da extrema-direita da Alternativa para a Alemanha no Bundestag.
António Costa procurará passar ao lado daquilo que verá como diabruras do momento. Por feitio e por tática. Apresentando uma equipa com forte natureza política e com grande equilíbrio de género, o primeiro-ministro começa uma legislatura alavancado num Fundo de Recuperação e Resiliência que, finalmente, encontra uma governante capaz de trazer dinâmica à função de planeamento: Mariana Vieira da Silva, uma ministra profundamente conhecedora dos gabinetes ministeriais, com forte sentido político e com enorme capacidade de trabalho. Em si se concentrará grande parte daquilo que este Governo será capaz de fazer. Será também conveniente que não se desvalorizem certas forças de bloqueio.
*Prof. associada com agregação da UMinho