NESTA era global, é urgente que as sociedades democráticas olhem mais para o interior de si próprias, reconheçam o que não estão a fazer e corrijam o que está mal feito.
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A teoria da conspiração islâmica prevaleceu nas primeiras tentativas de interpretação dos actos terroristas de Oslo e houve até insuspeitos comentaristas que na mesma noite a deram por suficientemente sólida para denunciar falhas e prescrever remédios na luta contra a al-Qaeda, embora os primeiros indícios vindos a público não apontassem nesse sentido nem as autoridades norueguesas, de todo, o confirmassem. O presumido autor, único suspeito até agora, é afinal um "norueguês de gema". Resisto, por nojo, a enunciar o nome do monstro loiro que se gaba de como a sua aparência ajudou a iludir a vigilância antiterrorista, na Noruega, na República Checa e na Hungria, para realizar os seus planos criminosos. O assassino colocou 1500 páginas na Internet, laboriosamente escritas ao longo de dois anos, que esclarecem os seus objectivos políticos e a sua inspiração doutrinal de forma consistente com as acções que preparava e os alvos escolhidos. A "Graça Divina" que pretende obter é o reconhecimento da sua profecia, no mundo virtual em que habita, de que o Islão tem um plano para conquistar a Europa. O seu "Martírio Voluntário" basta-se com a prisão, a que se entregou sem resistência. Tudo devia acontecer conforme o "Plano" predeterminado. O sucesso do "Plano" é a demonstração da sua intrínseca "Verdade", da justiça do acto e da legitimidade do agente que, mero intermediário de uma vontade transcendente - o "eleito" ou "bem-aventurado" - por isso mesmo se declara "inocente".
Na Europa cristã, as disputas teológicas sobre a "doutrina da graça" e da "predestinação" - segundo a qual, o destino e a salvação de cada um não depende da vontade individual mas apenas de imperscrutáveis desígnios divinos - estão associadas às guerras religiosas que dilaceraram os povos europeus no século XVI e repartiram a cristandade entre "católicos "e "protestantes". Aqui e em muitos outros aspectos, Cristianismo e Islão revelam flagrantes semelhanças: muitos séculos antes, também o profeta Maomé fazia da crítica da "predestinação" um argumento para a sua reforma teológica. O "New York Times" de segunda-feira, em artigo assinado por Scott Shane, registava a influência notória dos "bloggers" e activistas anti-islâmicos, americanos e europeus, na "educação" do terrorista de Oslo que acompanhava atentamente as suas querelas agressivas e os recomendava, identificando-os pelo nome, na Internet. Marc Sageman, um psiquiatra forense ali citado, concede que seria injusto atribuir a violência do "nosso" terrorista "aos escritores que o ajudaram a conformar a sua visão do Mundo". Contudo, na medida em que pretendam que o fundamentalismo islâmico "é a infra-estrutura donde emergiu a al-Qaeda", terão de admitir também que os seus próprios escritos "são a infra-estrutura donde emergiu" o assassino norueguês.
Com o advento da era da Internet, deslumbramo-nos perante as oportunidades que se abriam de ilimitada expansão da esfera do debate público. Foi também uma oportunidade para os sentimentos íntimos por ela constrangidos saírem da clandestinidade, alargarem cumplicidades de grupo e florescerem à sombra de um anonimato agora muito mais acessível e remunerador. Tim Adams, no "Guardian" de domingo ("The Observer") reflecte sobre o modo "como a Internet criou uma era do ódio" e exemplifica com a linguagem grosseira usada nos debates sobre integração racial em certos websites holandeses onde o anonimato é garantido. O pretenso "cruzado cristão" que semeou o terror em Oslo é simultaneamente o cavaleiro e a vítima do apocalipse virtual diariamente anunciado através dos média, que paira sobre a prosperidade do Ocidente e ameaça com a falência da segurança social, os custos do serviço público, a insolvência das dívidas soberanas, a regressão demográfica, a decadência económica, a eclosão de novas guerras. Nesta era global, é urgente que as sociedades democráticas olhem mais para o interior de si próprias, reconheçam o que não estão a fazer e corrijam o que está mal feito.