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Enquanto pai de uma criança em idade escolar, não pude evitar um calafrio ao ouvir o anúncio de que cada aluno português será o feliz beneficiário de um "tutor de IA". A boa nova, apregoada na igreja histriónica do "Web Summit", não veio de um desses tecnopapas do Silicon Valley que desdenham o humano e fantasiam com a sua superação por obra de um transumanismo. O número foi protagonizado pelo ministro da Reforma do Estado, Gonçalo Matias. O ministro da Educação já confirmou o anúncio.
Lembrei-me, de imediato, da célebre resposta de Kant à pergunta "O que é o Iluminismo?": é "a saída do homem da sua menoridade", isto é, da "incapacidade de se servir do seu próprio entendimento sem a direção de outrem". Quererá o Governo inverter o trajeto pedagógico dos últimos dois séculos e fazer-nos regressar à menoridade pré-Iluminista?
O desígnio da emancipação individual - intelectual, afetiva, espiritual - esteve, até agora, no âmago da educação e da pedagogia europeias e é inseparável do ideal democrático. Não é compatível com um "tutor de IA". Um "tutor de IA" não é um tutor: é uma tutela que tem por sujeito uma ideologia tecnototalitária.
Estão já disponíveis dados sobre a interlocução permanente com a IA generativa. Eles apontam para o embrutecimento das faculdades humanas e para inauditos distúrbios psíquicos. A IA presta-se a câmara de eco narcísica, e mesmo a confidente e conselheira em detrimento das pessoas próximas.
Gostava que o ministro da Educação nos explicasse como é que os alunos portugueses evitarão cair na subalternidade cognitiva e intelectual à medida que forem delegando na IA algumas das mais preciosas faculdades humanas, como a reflexão, a expressão, a interpretação ou a memorização. Como manterão a independência e a confiança em si mesmos? Como evitarão ser dirigidos por outrem?
A escola do futuro vai abdicar de cultivar o espírito crítico e vai pactuar com a reprogramação cerebral visada pelo tecnocapitalismo? Vai encorajar a emancipação individual ou a autoalienação? A proteção do espírito humano - o nosso património maior - ou o seu atrofiamento?
Não nos enganemos. Há uma batalha a travar pelo espírito humano. Vamos precisar de um novo Iluminismo.
