A justicialização da vida política deveria ser evitada o mais possível, sob pena deixarmos que se instale a ideia de que os políticos pouco se importam de pisar a linha de fronteira da ilegalidade. O que acrescenta desconfiança à relação do cidadão com os seus representantes e, globalmente, com o Estado.
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As dificuldades económicas e sociais que enfrentamos são demasiado sérias para estarmos constantemente à mercê de dúvidas relativas à legalidade constitucional de importantes leis e decretos-leis.
Num quadro de tamanhas dificuldades, tornam-se ainda mais inexplicáveis situações que resultam de indefinições cuja clarificação legal acaba por ocupar todo o palco do teatro político.
É o que vai acontecer até ao fim do verão, com a entrada em cena, por mais duas vezes, do Tribunal Constitucional, para a fiscalização preventiva do diploma que abre a possibilidade de os funcionários públicos serem despedidos, e ainda para apreciar a elegibilidade de candidatos às eleições autárquicas que tenham atingido o limite de mandatos autárquicos mas se propõem mudar de concelho.
O mais provável é que em ambos os casos o Tribunal Constitucional não sentencie por unanimidade, o que, na sequência de anteriores decisões, provocará nova erosão na imagem que os portugueses têm da relação da política com a justiça.
A girândola de interpretações que serão feitas a propósito dos juízes votarem assim ou assado, e das suas ligações e preferências políticas ou ideológicas, contribuirá para que mais portugueses vejam a relação da justiça com a política com a indiferença que é dedicada aos casos perdidos, sobre os quais a "vox populi" costuma emitir um juízo tão abstrato quanto definitivamente reticente: "Isto está tudo ligado...".
Não deixa de ser inquietante que o próprio presidente da República tenha dúvidas sobre diplomas como o que abre a possibilidade de os funcionários públicos serem despedidos, incluindo aqueles que o Estado vinculou até 2008. Talvez mesmo duplamente inquietante: por se tratar de matéria em que o Governo, em nome do Estado, também é parte contratante e por estar em causa um corte na despesa pública cuja dimensão pode chegar aos 419 milhões de euros (rescisões amigáveis incluídas).
Não menos inquietante é verificar que os partidos que escreveram e aprovaram a lei de limitação de mandatos autárquicos tenham preferido a justicialização do processo eleitoral à clarificação da legislação que eles próprios criaram.
Em campos tão sedentos de limpidez de processos como são o do sistema eleitoral e o da relação do Estado com aqueles que o servem, recorrer à legalização das leis pelo método judicial redunda na ideia de que só o tribunal consegue dirimir divergências políticas. O que é expressão de pobreza... Política.