Horários zero. Maus resultados nos exames nacionais. O caminho para a inserção social. Cheque-ensino. Exames para ingresso na carreira docente. Cortes no orçamento do Ensino Superior. Por uma razão, ou por outra, a educação tem estado, está e estará, na chamada ordem do dia. O que está em causa merecia menos ruído e mais ponderação, evitando que a discussão ficasse cativa de interesses corporativos e de medidas avulsas que, quando somadas, resultam num sistema educativo carente de lógica.
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O número de professores com o chamado horário zero, um eufemismo para dizer que não têm aulas para dar, reflecte duas realidades: uma estrutural (o decréscimo de alunos fruto da quebra nas taxas de natalidade), a outra política (decisões que vão desde a concentração de escolas até ao aumento do número de alunos por turma), mesmo que queira configurar uma reforma... estrutural. Na ausência de quaisquer medidas, a simples diminuição da natalidade originaria um excesso de professores, pelo menos em certas escolas ou agrupamentos escolares, tornando inevitável algum ajustamento. Segundo vozes mais avisadas que a minha, ter-se-á ido longe de mais na criação de mega-agrupamentos. Alguns duvidam, também, se não estaremos a pisar o risco na dimensão das turmas e na sobrecarga dos professores, o que poderá vir a ter reflexos na qualidade do ensino, sobretudo quando os prémios e incentivos para quem faz, ou queira fazer, a diferença desapareceram. Bem sei que há um problema de emprego subjacente. No entanto, de um ponto de vista social, não deveriam ser aqueles a estabelecer o quadro de base e as prioridades na discussão? A que se poderia somar, ainda, o facto de muitas das medidas não terem tido em consideração o respectivo impacto nos equilíbrios regionais (reforçando a polarização e contribuindo para a desertificação que, arrisco, não será completamente alheia à multiplicação de fogos florestais). Esta visão mais ampla, de integração de políticas, de pensar em termos de modelo de desenvolvimento e não apenas em resultados parcelares, permitiria, quiçá, encontrar soluções não óbvias mas coerentes. Em vários casos, tal seria facilitado se houvesse a vontade (a ousadia?) de acreditar que um funcionamento mais descentralizado, baseado na proximidade, poderia ser mais eficaz na consecução dos propósitos enunciados centralmente.
Sabe-se, de ciência certa, que a educação tem um papel central na inserção social dos mais desfavorecidos. Sabe-se, ainda, que o processo de aprendizagem de quem provém desses ambientes é tudo menos fácil, exigindo apoios e acompanhamentos específicos, incompatíveis com a dinâmica da sala de aula, em especial se muito povoadas. Admitir que essas ajudas ocorram no ambiente familiar é, numa grande maioria dos casos, pedir o impossível. As famílias têm de ser sensibilizadas para a importância do projecto educativo, informadas sobre o aproveitamento e co-responsabilizadas no que toca às questões de disciplina e do cumprimento da assiduidade. O resto compete ao sistema escolar, em geral, e à escola, em particular. Os professores sem aulas poderiam ser mobilizados e envolvidos neste empreendimento: ao fim e ao cabo, qualquer que seja a sua especialidade, hão-de ter bem mais competências pedagógicas do que as existentes na generalidade dos agregados familiares. O desígnio deste projecto é suficientemente importante para não ser considerado como um expediente mas uma prioridade que justifica a afectação de meios - há poucas coisas mais importantes do que a criação de condições de base para a igualdade de oportunidades.
Uma gestão de proximidade, no limite envolvendo municípios contíguos, seria a forma mais apropriada de o concretizar. Alguma mobilidade de professores entre escolas seria inevitável, um mal bem menor do que o que, de outro modo, o inexorável futuro lhes reservará, seja qual for o Governo. Fazer parte de um projecto com aquela ambição e efeito multiplicador seria um motivo de orgulho para os professores envolvidos. O horário zero deixaria de ser um anátema para passar a factor benigno. Um zero à direita.
O autor escreve segundo a antiga ortografia