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À primeira vista, pode parecer um conceito demasiado futurista. Ou fatalista. Mas a velocidade a que o planeta está a aquecer, com óbvios reflexos nos índices de mortalidade associados a verões cada vez mais inclementes, devia convocar-nos para um debate público sobre a necessidade de uma agenda política dedicada ao calor e aos seus efeitos. Os dados mais recentes da Direção-Geral da Saúde referem que Portugal Continental registou 264 mortes em excesso em cinco dias, durante o período de alerta, o que se traduz num aumento de 21% face ao previsto. Os maiores de 75 anos e a Região Norte foram as maiores vítimas. Em Espanha, as autoridades associaram mais de mil óbitos à onda de calor de julho.
Já passamos há muito a fase pedagógica em que nos bastava seguir os cuidados básicos, beber muita água, procurar as sombras e vestir roupas claras. O aquecimento global está aí, diante dos olhos de todos, e as fragilidades estruturais de um país como o nosso, onde é tão difícil aquecer quanto refrigerar as habitações; onde os centros de saúde e os hospitais povoam os corredores de ventoinhas porque não há dinheiro para instalar ou renovar os ares condicionados; em que não há uma legislação adequada que salvaguarde a integridade de todos os que têm de trabalhar horas a fio debaixo do sol, são razões mais do que suficientes para avançarmos com essa reflexão coletiva e com um plano de ação preventivo.
Em "É o calor que te vai matar", o jornalista Jeff Goodell detalha a força impiedosa do fenómeno, com árvores que explodem e asfalto que derrete. No fundo, tornando claro como, num futuro próximo, este será um fator determinante na hora de escolher a cidade ou a região do globo onde iremos viver. Uma agenda para o calor não é uma excentricidade, é uma necessidade.