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Portugal vai ultrapassar em breve a barreira do meio milhão de desempregados. A crise, já se sabe, não vai parar e esse muro psicológico será atingido rapidamente. Há quem diga que os meses de Verão serão fatais para muitas pequenas empresas, pois os patrões, uns por "facilidade de processos", outros para não enfrentarem trabalhadores com quem mantêm laços de alguma afectividade, já não quererão abrir depois das férias. Pode ser, pois a verdade é que muitas empresas aguentam o mais que podem na esperança de haver um ténue sinal de retoma.
Pedir, nesta altura, bons princípios e boas práticas parece coisa um pouco romântica. A aflição do patronato apenas encontra paralelo no desespero dos trabalhadores cujos empregos estão em risco ou na compreensível tentativa dos sindicatos em manterem intactos direitos que custaram muitos anos a garantir.
O drama que se vai vivendo por detrás das negociações da Autoeuropa é certamente um bom "case study". Gestores e trabalhadores que ainda não há muito tempo eram apontados como exemplo de quem sabia ultrapassar interesses particulares, de classe, para salvar a empresa e garantir o futuro estão hoje a um passo de se virarem as costas, incapazes de conciliar os interesses de uns e de outros. Os sindicatos, que não querem cedências que possam alastrar um pouco por todo o lado, e o Governo que quererá - mas não pode e não deve - ceder à tentação de pôr mais uns benefícios nas mãos do investidor alemão, pouco podem fazer.
O que suceder na Autoeuropa permitirá olhar um pouco para o futuro próximo. A empresa, o que ali está em jogo, deixa a Qimonda - para citar um dos casos mais emblemáticos da crise portuguesa - parecer coisa de pouca monta.
Se se ultrapassarem ali os problemas, com cedências, é inevitável que a receita alastre a empresas mais pequenas. Se, pelo contrário, os trabalhadores se mantiverem intransigentes e for essa a palavra de ordem que passa, não é difícil adivinhar que o silêncio que fará nas fábricas desertas e nas empresas fechadas trará para a rua muito barulho e muita convulsão social.
É por isso que os partidos, em pleno período eleitoral, na linha aliás do que foi pedido por Cavaco Silva, devem ter atitudes exemplares, responsáveis, quando falam de desemprego ou de políticas de emprego. A demagogia pode dar votos mas não contribui para a paz social e alguns ataques ao Governo, como o desta semana sobre a limpeza de cadastros de desempregados, atiram lama e suspeitas que em período de campanha atrapalham os visados, é certo, mas não lançam luz sobre o problema.