Corpo do artigo
O maior incêndio florestal da Europa nas últimas décadas aconteceu em Portugal. Numa tragédia de dimensões impensáveis, importa chorar os mortos e cuidar dos vivos. Mas não chega. As causas e os contornos da calamidade põem a nu a incompetência do Estado no exercício das suas funções elementares.
Incompetência no espaço. Um país cuja população, força económica e riqueza se concentram numa estreita faixa de 50 quilómetros a contar do litoral e que entrega dois terços do seu território aos apetites da desertificação não pode ficar surpreendido com fenómenos extremos da natureza. A natureza humana, no caso a sua ausência e envelhecimento, está na base de grande parte dos problemas do interior.
Incompetência no modelo. Portugal é o país mais centralista da Europa, com 400 mil funcionários públicos na capital e 2,4 milhões habitantes na sua periferia. Sem regiões políticas que representem os poucos que ainda lá resistem, é fácil a um Estado ganancioso justificar o encerramento de tribunais, escolas, hospitais e repartições várias naquilo a que, caridosamente, se chama província. Tendo a racionalidade económica como argumento único, é natural que até a Caixa Geral de Depósitos se sinta livre de seguir o exemplo do seu acionista e abandone também o interior.
Incompetência na gestão. Toda a conceção e contratação do sistema de comunicações de emergência, vulgo SIRESP, é uma miserável trapalhada de contornos complicados. Como é comum, nada foi resolvido nem se descobriram ainda os culpados. Ao facto de o SIRESP ter custado cinco vezes mais do que devia e à circunstância de não funcionar, não será porventura estranha a índole da nomenclatura que o constituiu (BPN, BES, GES, PT e Caixa).
Incompetência política. Uma ministra que se escuda na GNR e acha que ainda é cedo para "tirar ilações". Um primeiro-ministro que se escuda na ministra e que até agradece que ela demore umas semanas largas a chegar às ditas "ilações". Deputados e dirigentes partidários que não hesitam em usar 64 cadáveres para fazer política. Baixa, suja e indigna da memória das pessoas que o Estado abandonou. E até o líder da Oposição, que tinha tido o bom senso de evitar procurar ganhos de causa à custa de uma desgraça nacional, acabou a cometer a maior irresponsabilidade política da sua carreira.
Começando pelas 64 vítimas do incêndio, era tão bom que pudéssemos mudar a história e que não fossem estas as razões que nos levam a falar de Pedrógão Grande.
* empresário e Pres. Ass. Comercial do Porto