As próximas eleições são tão importantes quanto desnecessárias. A situação da economia, seria, só por si, suficiente para se lhes atribuir interesse máximo, mesmo se, em democracia, todas as eleições são relevantes. Já quanto à sua necessidade a coisa fia mais fino. Depois de falhar uma solução à irlandesa, as eleições têm o propósito não declarado de afastar um personagem, algo difícil de justificar, muito especialmente quando o país atravessa uma crise cujo desfecho já poucos se atrevem a antecipar. Quando o Presidente da República, e os líderes dos partidos que podem vir a ser poder, insistem no apelo a uma conjugação alargada de vontades, é natural que o cidadão anónimo se interrogue se tal não seria possível sem eleições, não pelas eleições em si mas pelas limitações que introduzem, ao nível do poder executivo numa conjuntura tão decisiva. E a conclusão só pode ser uma: com Sócrates a liderar o PS, as condições de confiança recíproca indispensáveis a um acordo alargado não estariam garantidas. Toda a gente o percebe, incluindo o próprio. Ele não tem a magnanimidade de sair, os outros não têm a coragem para o dizer, preto no branco. Entre todos, Cavaco Silva é quem mais arrisca. Ter-se-ia esperado dele um outro rasgo, menos resignação ao jogo partidário e um maior empenho em encontrar soluções que pudessem obviar a este interlúdio, já hoje mais oneroso do que muitos esperariam. Não foi essa a sua opção pelo que, se após as eleições o impasse se mantiver, o Presidente da República abordará a fase subsequente muito fragilizado.
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Talvez os partidos ouçam o seu apelo para uma campanha esclarecedora em que, mais do que imputar reciprocamente a culpa pela actual situação, apresentem propostas cuja viabilidade possa ser aferida. Não basta arrolar medidas. É preciso evidenciar qual o seu impacto em termos de custos ou receitas, o seu efeito sobre a produção e o emprego. No imediato, serão necessárias medidas de austeridade, mas não se pode perder de vista o futuro, ou seja, crescer. Se for possível estabelecer um acordo com uma base política alargada, envolvendo o próprio Presidente, talvez venha a ser viável negociar, no mínimo um reescalonamento da dívida, quiçá a sua reestruturação, sem demasiados custos, em termos de tempo e imagem.
Mesmo que não a explicitem, a identificação de denominadores comuns deve, por isso, ser uma das preocupações nas políticas escolhidas.
Alguns cálculos referem que, não fora estarmos no Euro, a actual situação exigiria uma desvalorização, no mínimo, na ordem dos vinte porcento para repormos a nossa capacidade de competir. Essa margem dá-nos uma ideia das nossas ilusões ou, como dizia D. Manuel Clemente, da "rectificação de expectativas" a que temos de proceder. Como se pode fazer isso, mantendo-nos dentro da moeda única? A comunicação social prestaria um favor ao país se listasse um conjunto de questões críticas, deste tipo, e escrutinasse os programas políticos em torno delas, contribuindo para o esclarecimento e mobilização do eleitorado numa campanha que, doutro modo, será dominada por tricas e querelas artificiais.