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Manuel Alegre assumiu a sua corrida a Belém. Mário Soares disse já, implicitamente, que é "despropositada" e "prematura". Mas ela é, sobretudo, escandalosa. Manuel Alegre constitui, antes de tudo, um grande poeta português. Eis já um verdadeiro escândalo, num tempo em que a poesia aparece só como forma superior de brincadeira.
Nalguns temas da sua obra, foi ainda mais escandaloso. Reconciliou as massas com a história, e o povo com a memória, e "esquerdas" e "direitas" com um caminho que, entre escolhos, marcou uma identidade. Na verdade, estamos aqui, entre Espanhas e o mar, por causa dessa - também escandalosa - teimosia.
Alegre escandaliza, ainda, quando recupera a ideia de "nação", uma velharia de tolos, e de "Estado social" (com mercado), a utopia solidária porque morreram tantas almas.
Não é menos escandaloso, ao advogar um chefe de Estado que interprete a "vontade" comunitária (outro mito), embora sempre no respeito da Constituição (esse fantasma).
Escândalo, ainda, quando não recorre ao TGV para lançar as pontes do futuro. Ou quando diagnostica, sem FMI, a crise europeia.
E não deixa de ser inaudito (como bem lembrou o dr. Soares) que diga mal do Poder, apesar de lá estar o seu partido. Escandalosa ingratidão.
Uma candidatura assim devia ser proibida. Ou melhor, silenciada. Ou, melhor ainda, ridicularizada.
É preciso dar, rapidamente, um exemplo de decência.
Apreendam-se os gravadores que captaram a atrevida proclamação.
P.S.: Estava fora quando me chegou a triste notícia da morte de mais um amigo: Ramiro Ladeiro Monteiro, primeiro director do SIS, professor, antropólogo e sociólogo, grande conhecedor de África, português e patriota. Comandar o serviço de informações não esgotou a sua longa e rica vida, mas forneceu as maiores manchetes. É justo que assim seja, mas por razões menos óbvias. A verdade é que o falecido transportou uma pesada herança. Ergueu um órgão de segurança hoje reconhecido como vital, mas que precisava de se libertar da compreensível tutela militar herdada do PREC, e de abandonar os receios sobre uma nova polícia política. Ladeiro Monteiro, entre avanços e recuos, incompreensões e sucessos, contrariedades e bagatelas, conseguiu fundar o que parecia impossível. O estado português deve-lhe muito. Que descanse em paz, pois bem o merece.