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Foi publicada uma carta aberta subscrita por 35 operadores judiciários, advogados e magistrados, convocando todos os colegas à simplificação e síntese das peças processuais mais importantes do processo-crime, a acusação, contestação e acórdão final. Parece faltar-lhe representatividade, considerando o universo de muitos milhares de advogados e cerca de 4000 magistrados. Como no próprio texto se afirma, pretendem o termo da peça prolixa sem que a lei tenha sido alterada. Como os seus subscritores reconhecem, a extensão inusitada daqueles textos tem como responsável exclusivo o/a magistrado/a ou o advogado/a que os produz. Não há profissional que se não tenha confrontado já com tal prática. É certo que alguns magistrados do MP confundem na articulação dos factos com relevância penal meios de prova e prova produzida, bem como descrição de factos irrelevantes à decisão final. É certo que alguns advogados tornam a contestação num labirinto interpretativo, assim como há decisões judiciais com excesso de citações doutrinais e jurisprudenciais levando os interessados a ler só a parte final. Com o devido respeito, o teor da carta aberta peca por excesso e generalização das situações, porquanto importa diferenciar os casos, os crimes, a forma e as circunstâncias em que foram cometidos. Na maioria esmagadora dos processos, a acusação, contestação e decisão são concisas e perceptíveis. Porém, nos crimes mais graves e complexos, com muitos arguidos, formas elaboradas e opacas de cometerem os ilícitos, ligações criminosas internacionais e relevantes não é possível abreviar nenhuma daquelas peças. Devido à sofisticação, complexidade e internacionalização do crime, cometido por diversos arguidos, é difícil articular sinteticamente uma acusação e proferir uma decisão minimalista. Nomeadamente os crimes de natureza económico-financeira, tráfico de droga com cariz internacional, tráfico de seres humanos, organizações criminosas e terroristas mostram-se avessos à simplificação. Penso que não é a extensão destes textos que atrasa o final do processo. Podem classificar-se de aborrecidas ou de excessivas, mas não é aí que se centram os atrasos. A falta de meios persiste, repito, porque é nela que se encontram os obstáculos à fluência da investigação e da decisão final. Não há funcionários, peritos, órgãos de polícia criminal e magistrados em número capaz de equilibrar a ratio da investigação-decisão/complexidade e especificidade dos crimes. Não se pode pretender que a queda criminosa de um banco, ou a prática sistemática e subtil de crimes de corrupção sejam objecto de uma decisão rápida. Outra causa de atraso processual é o emergente uso e abuso de incidentes processuais dilatórios nos processos mais complexos e de enorme repercussão social e económica. Apela-se à consciência ética. Ainda, é fundamental que o Governo dedique mais atenção e mais orçamento na modernização dos tribunais.
A autora escreve segundo a antiga ortografia
*Ex-diretora do DCIAP