Em momentos de crise, como os que tem vivido o chamado mundo ocidental na última meia dúzia de anos, principalmente EUA e União Europeia, abrem-se sempre amplos debates sobre a genética dos mesmos, de como os ultrapassar e de que forma evitar a sua futura repetição. Normalmente, as discussões mais profundas, cientificamente, mais sólidas e prospetivamente mais mobilizadoras vêm, como é hábito, de pensadores do outro lado do Atlântico.
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Assim, de Paul Kennedy, na "Ascensão e queda das grandes potências", a Thomas Friedman, em "O Mundo é plano", até Georges Friedman, em "Os próximos 100 anos", foram produzidos magníficos textos reflexivos desde o início da década de 90 do século passado. Com eles, visitamos e procuramos compreender os principais estremeções económico-financeiros e sociais das últimas duas décadas e meia.
O mais fascinante e profissional em todas essas abordagens decorre do facto de elas defenderem quase sempre teses com pontos de coincidência, o que as complementa e credibiliza, e também o de recuarem séculos, comparando situações análogas devidamente balizadas pelas conhecidas evoluções civilizacionais, o que nos dá uma inexorável dimensão de que a história se repete por ciclos, face sempre aos mesmos erros ou medidas bem-sucedidas de quem detém as regras do poder,
É através desses escritos que descobrimos atónitos que a China do século XI tinha uma produção siderúrgica de 125 mil toneladas/ano, a mesma da Grã-Bretanha de sete séculos mais tarde, tinha as cidades mais populosas do Mundo, e o papel-moeda há muito que tinha facilitado o desenvolvimento do comércio e o crescimento dos mercados.
Tudo isto para depois mergulhar numa longa e profunda "idade média", desencadeada pelo conservadorismo confucionista e, mais tarde, pela trágica aventura maoista.
Só com a teoria "um país, dois sistemas", desencadeada pelo génio do pequeno Deng Xiaoping, no final do século passado, o gigante explodiu para o desenvolvimento e prepara-se para ser a primeira economia do Mundo.
Receita simples. Mais liberdade económica, mais tolerância política, mais aposta nos valores.
É com estes trabalhos que melhor observamos o domínio comercial, militar, educativo, tecnológico e científico do mundo muçulmano, com particular destaque para o crescente poder otomano, nos séculos XIV e XV, com uma queda a pique a partir de 1566, quando a "infelicidade" histórica colocou o poder na mão de uma dinastia de 13 sultões particularmente incompetentes e déspotas. E nem vale a pena recordar a experiência e evolução na matemática, astrologia e arte de navegar do mundo árabe que, entre outras coisas, ajudaram Vasco da Gama a chegar à Índia ou fizeram com que a Alhambra tivesse coexistido séculos com uma península circundante atrasada e pobre.
Também para este setor do islamismo, aconteceu o mesmo com o mundo otomano, o arabismo decaiu e regrediu séculos quando ainda no primeiro milénio as divisões tribais e o fanatismo religioso cercearam a inovação e livre criatividade.
Contra receita simples. Menos liberdade económica, mais despotismo de Estado, menos tolerância na diversidade dos valores.
Finalmente, outro bom exemplo que com eles visitámos é o de vermos a Argentina e o Canadá a rivalizarem no crescimento e desenvolvimento económico, como paradigmas de gestões de sucesso no início do século XX, para ficarmos escandalizados com o fosso que entretanto se cavou entre essas duas grandes nações de dimensão continental.
Explicação simples. De um lado, Estado, aventura peronista, ditadura militar. Do outro, livre criação, democracia participada e rigor ético.
Nos últimos meses, num livro brilhante que foi prémio "Financial Times 2013", "Porque falham as nações", Daron Acemoglu e James A. Robinson relatam com rigor histórias verdadeiramente singulares, que ilustram e confirmam as teses de muitos dos que atrás citei.
Em 1853, com a chamada "Compra Gadsen", a cidade mexicana de Nogales foi dividida entre o México e o estado americano do Arizona. Separadas desde então por muros estanques, as duas metades das duas cidades são, contudo, habitadas pela mesma realidade étnica, que nunca se alterou.
Na Nogales/Arizona, o rendimento familiar médio é de 30 mil dólares, apesar das deficiências do sistema de saúde americano, a maioria da população tem acesso ao Medicare, 80% chegam ao Ensino Superior e têm indicadores de segurança e tranquilidade públicas dos melhores da América.
Na Nogales mexicana, os parentes dos seus concidadãos do Norte, a um quilómetro de distância!, vivem com um rendimento familiar médio de 10 mil dólares, a maioria não termina o Ensino Secundário, a mortalidade infantil é das mais elevadas e a esperança de vida das mais baixas do continente, a criminalidade paralisa a economia e a corrupção reina entre a administração e as forças de segurança.
No mesmo livro, passa-se brevemente em revista a recente experiência americana do multimilionário mexicano, Carlos Slim, considerado o homem mais rico do Mundo entre 2010 e 2012. Fez fortuna na especulação bolsista e o seu negócio nuclear foi a aquisição da Telmex, monopólio continental/mexicano de telecomunicações. Com este lastro, Slim aventurou-se no Norte. O inêxito foi rotundo, sendo o mais marcado a forma como arruinou o grupo retalhista de computadores, a CompUSA.
Explicações simples. As duas Nogales são os dois lados dos exemplos acima referidos e os senhores Slim deste Mundo só prosperam sob economias protegidas. É a diferença que vai de Bill Gates a Abramovich.
Que concluir de tudo isto?
Não é a demografia, a riqueza circunstancial em matérias-primas ou o poder militar, a geografia ou a identidade cultural que promovem a riqueza ou a pobreza.
A pobreza é quase sempre filha do peso excessivo do Estado com todas as suas consequências, do cerceamento das liberdades em sentido amplo - liberdade política, religiosa, económica, na tolerância dos costumes, na defesa ética de princípios e valores.
A riqueza chega quase sempre agarrada à livre iniciativa, à tolerância civilizacional global - onde hoje é vital a qualidade da democracia -, e à inflexibilidade na defesa de princípios e valores ligados aos direitos do homem. Entre eles, e hoje mais do que nunca na União Europeia, a justiça social, baseada nessa marca civilizacional ímpar que se chama Estado social europeu, deve ser uma matéria inegociável.
É este o principal aviso para os que agora vão disputar as eleições de maio. Pensem no controlo dos dinheiros públicos, reformem as nossas democracias, mas tudo será inútil se a tríade saúde, educação e segurança social, justas e universais, desapareceram do léxico europeu. Então, teremos um longo caminho de retrocesso daquele que já foi o continente-farol do progresso e da equidade.