Alguns incautos ficaram admirados pelo facto de Portugal abandonar o programa da troika através de uma "saída limpa". Sinceramente, não compreendo o espanto. Quem acompanha o modo como os políticos costumam lidar com questões da "maior sujidade", não podia esperar outra coisa. Senão, vejamos: há tempos, as agências de notação financeira colocaram-nos no "lixo". O ultraje foi tão grande que, quando chegou a altura de renovar o acordo com a Standard & Poor's - agência que, já agora, onomasticamente bem poderia ser um pouco mais amiga dos países pobre's -, o Governo não esteve com meias medidas e não só não renovou com os norte-americanos (qual Dario III, o rei persa, mandando matar o mensageiro, ao substituir a missiva "lixo" por um mais tolerável "não solicitado"), como se regozijou com a criação de uma nova agência (europeia!) fruto da união de cinco agências de outros tantos países, do mais sofisticado que existe actualmente na economia global: Malásia, África do Sul, Índia, Brasil e (já adivinharam!) Portugal. À cautela, a agora renomada ARC Ratings irá ser liderada por um português que, na indisponibilidade de Oliveira da Figueira, será José Poças Esteves. Tínhamos já o prémio da melhor baguete de Paris, atribuído a António Teixeira, de Fafe, feliz proprietário da boulangerie Aux Délices du Palais (fornecedora oficial do Eliseu, desde Jacques Chirac!), eis que Zé Esteves chega agora ao topo da ARC Ratings com a liliputiana missão de enfrentar a Fitch, a Moody's e a Standard & Poor's, e livrar-nos desses gigantes.
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Não me interpretem mal. Não sou daqueles que julgam que as agências classificaram Portugal como "lixo" por indigente leviandade. Quero crer que não se basearam em critérios tão insustentáveis quanto o facto de cada português produzir 453 kg de lixo por ano (ou, de as capas dos colchões dos 180 guardas da prisão da Carregueira não verem água desde a inauguração, há 12 anos), sequer da súbita apetência que os investidores privados (do costume!) têm manifestado pelo lixo, ele próprio, ao se mostrarem interessados em chafurdar nos 1,8 mil milhões de euros que representa, em volume de negócios, a privatização da Empresa Geral de Fomento, responsável pelo tratamento das misérias de 60% dos portugueses; não, não foram decerto esses os critérios para a (mal)dita classificação, pese embora, à semelhança do que sucedeu com os CTT, seja expectável após a privatização uma imediata subida de preços (com melhoria igualmente imediata na limpeza da carteira dos cidadãos) e essa expectativa ser, por si só, algo nojenta: se os critérios fossem daquele tipo, bastava às agências atentarem no voraz interesse que esses mesmos amigalhaços - construtoras, bancos, políticos - demonstram ter pela privatização das águas de Portugal para, diante de tanta limpeza e asseio, o rating subir imediatamente para "triple A".
Não, a palavra "lixo" com que as agências mostram conhecer bem demais o desgoverno deste país vai direitinha para os cartéis que se andaram a cevar nas últimas décadas, especificamente aqueles que tendo tido nas mãos o poder para melhor regular e redistribuir, fosse por conluio ou omissão não o fizeram, por não terem sido suficientemente altruístas e sérios para escolher entre si os melhores (descartando más companhias, colocando o poder económico no devido lugar), falhando em se entenderem da esquerda à direita, demonstrando assim não terem compreendido que um buraco que levou várias legislaturas a criar nunca poderia ser resolvido só numa. Este ano, "Abril" assustou muita gente, e foi particularmente penoso ouvir o depoimento de certos políticos (como ratos abandonando o navio) recomendando juízo à classe política, numa espécie de "mea culpa" pública e tardia, tentando sair limpos da tragédia.
Ora, no Dia Mundial da Higiene das Mãos, soube-se que, de entre as classes profissionais que trabalham na Saúde, são os enfermeiros quem mais vezes lava as mãos. É pena que o estudo não tenha englobado outras classes profissionais porque uma vasta franja daquela malta (os melhores dos piores, como em tudo), não deixaria por certo de receber o primeiro prémio das "mãos limpas".
Aqueles que trabalham com luvas.
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