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Esta semana cumpro dez anos como cronista. Comecei na "Visão" (em 2015) e passei para o JN no início de 2021, onde escrevo às terças, impreterivelmente. Dez anos, com o compromisso de escrever para uma comunidade de leitores, misturando temas de atualidade, com dissertações de filosofia da vida quotidiana, é bastante tempo, sendo que, nesta década, o Mundo já deu muitos trambolhões e eu própria já mudei algumas vezes de pele.
A regularidade da crónica inquebrável, o compromisso é central e, ao longo de tanto tempo, não nos repetirmos, acrescentarmos novidade e construirmos um estilo próprio é um exercício exigente, que treina o músculo da escrita, mas sobretudo a atenção. Esse compromisso mudou a minha forma de estar presente, porque tornou ainda mais permanente (e urgente) a condição de "esponja" e a atenção consciente que já ensaiava pelo meu trabalho artístico. Como fui percebendo, tudo pode dar uma crónica (uma conversa com um casal desconhecido numa pastelaria ou com o motorista de uma carrinha em São Paulo, as notícias, a cultura, o trabalho, a vida e a maternidade, qualquer coisa mesmo)!
Das crónicas fiz diário dos difíceis dias a pandemia, fiz terapia durante o atropelamento do puerpério, vociferei contra injustiças, rascunhei diversas letras (para mim e para outros, dos Clã, à Gisela João), critiquei decisões de autarquias (das quais, com uma única exceção, não voltei a ter convites para concertos), celebrei pessoas vivas e imortais (de Elza Soares, a Fausto Bordallo Dias), contei histórias familiares, falei muito sobre as minhas cidades e sobre os seus rituais (com os balões de São João no topo da lista dos favoritos) e poucas vezes me fugiu o tema.
Nestes dez anos, recebi alguns emails a discordar dos meus pontos de vista, mas muito mais mensagens de parabéns (não apenas da minha mãe), além dos encontros de rua com pessoas que, não me conhecendo da música, fizeram questão de dizer que não perdem uma crónica. Houve textos que foram parar a livros de Português, houve uma creche que fotocopiou um dos meus desabafos sobre os desafios da adaptação escolar para distribuir aos pais no primeiro dia e acalentar o seu coração, e até ganhei uma crónica emoldurada no Restaurante Manjar do Marquês.
Ora, é mesmo isso que me interessa: fazer parte da conversa e dar o meu contributo para essa coisa romântica que é a imprensa em papel, sobretudo num jornal popular, que anda pela mesa dos cafés, a partir do qual se interpela o outro, com todos os confrontos de ideias ou comunhões emocionais possíveis. E que sorte é pensar e falar sobre o Mundo (a partir da minha varanda), sempre no eixo subjetivo-coletivo ou, se preferirem, emocional-político, exercendo a escrita como forma de participação, mas também de sublimação! Que sorte ter quem me leia! Só posso agradecer e desejar que haja mais décadas de partilha, porque, enquanto me quiserem, aqui estarei!