Uma decisão que mudou Portugal
S e me pedissem para eleger o conjunto restrito das decisões públicas que mais influenciaram, pela positiva, o destino de Portugal desde a sua fundação, o meu elenco incluiria por certo a criação das chamadas "novas universidades".
Corpo do artigo
Falo do Decreto-Lei 402/73 de 11 de agosto, que às quatro instituições então existentes (Coimbra, Clássica de Lisboa, Técnica de Lisboa e Porto) acrescentou a Nova de Lisboa, Aveiro e Minho, para além de 10 institutos politécnicos e nove escolas normais superiores. Esta dramática alteração da paisagem do Ensino Superior público em Portugal, que agitou os setores mais conservadores do mundo académico, foi a varinha mágica que resgatou o país das trevas.
Democratizar e, na mesma assentada, regionalizar o Ensino Superior, num processo iniciado ainda antes do 25 de Abril de 1974 só foi possível por uma combinação inusitada de protagonistas e contexto. Foi justamente isso que ficou registado no livro "História da Universidade do Minho 1973-1974-2014", apresentado anteontem como resultado de um projeto de investigação histórica que passa a constituir uma referência incontornável da história do sistema nacional de Ensino Superior.
Com um atraso de um par de décadas, algumas elites portuguesas foram assimilando o paradigma resultante do pós-guerra, sobretudo no Reino Unido, que valorizava a formação superior, a ciência e a tecnologia como elementos tributários e vitais do desenvolvimento económico e social. O presidente do Conselho, Marcello Caetano, foi inequívoco ao enunciar a "batalha da educação" e ao escolher em 1970 o professor Veiga Simão para o cargo de ministro da Educação Nacional.
Reitor dos Estudos Gerais Universitários de Moçambique, que se haveriam de transformar na Universidade de Lourenço Marques, Veiga Simão foi um ilustre catedrático de física nuclear que cedo se revelou um reformador ao contrapor um modelo matricial de inspiração anglo-saxónica ao clássico e vigente modelo napoleónico. Tratava-se de uma personalidade fascinante, com quem tive aliás ainda o prazer de privar, que acrescentava à dimensão científica um elevado sentido pragmático, a par de um profundo humanismo, numa combinação que o qualificava para a exigente tarefa de reformar o Ensino Superior português.
As "Linhas Gerais da Reforma do Ensino Superior" não se ficaram pelo redimensionamento da rede de estabelecimentos. No seu alcance mais vasto estabeleciam os princípios no que se referia às funções e fins das universidades, à sua orgânica, aos órgãos de governo e de gestão participada, à autonomia, ao acesso ao Ensino Superior e à atividade científica e cultural. Todo um ímpeto reformador que, indiretamente, lançou um processo de territorialização do desenvolvimento. A transformação induzida por este movimento em praticamente todo o território nacional é hoje bem visível. O que seria este país, não só o interior mas também o litoral para além das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, sem a função de âncora que representam hoje as universidades e os institutos politécnicos, com os respetivos ecossistemas empresariais, sociais e culturais? Àqueles que hoje promovem o "fecho" do interior, focados no curto prazo e confundindo racionalização com desinvestimento do Estado, recomendo a leitura do livro da história da Universidade do Minho, pois nesse exemplo se condensa o valor da dimensão temporal nas grandes reformas.
Quarenta anos depois de uma das mais transformacionais medidas de um governo português, justifica-se o tributo ao seu autor e àqueles que, até hoje, deram corpo e substância à ideia original. Quanto ao primeiro, Veiga Simão, não me canso de ouvir o seu último testemunho sobre o tema universidade, quando no início de 2014, mesmo antes do seu falecimento e a propósito do 40.° aniversário da Universidade do Minho, nos permitiu registar o brilhantismo e modernidade das suas ideias. Quanto aos que, ano após ano, fazem a universidade sonhada por Veiga Simão, o elogio está nos extraordinários resultados alcançados. Hoje, as "novas" universidades competem lado a lado com as "clássicas", como muito bem refletem os resultados dos rankings internacionais onde, nalguns casos, lideram a prestação nacional.