Uma equação fatal
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Os graves incidentes que perturbaram a noite da passagem de ano na cidade de Colónia, na República Federal Alemã - embora estejam ainda em curso as averiguações policiais com vista ao apuramento dos factos e à identificação dos responsáveis - foram já intensamente instrumentalizados por organizações neonazis que, através de generalizações absurdas, tentam confundir imigração com criminalidade. É uma equação extraordinariamente perversa e explosiva que apenas serve os seus intuitos políticos, racistas e xenófobos. Como "retaliação" pelos distúrbios da noite de fim de ano, têm-se multiplicado as ações violentas contra estrangeiros e estrangeiras, secundando apelos à violência disseminados através das redes sociais. O chamado movimento dos "Patriotas europeus contra a islamização do Ocidente" (PEGIDA) convocou manifestações em Colónia e Leipzig, onde são exibidos cartazes que exigem a expulsão dos refugiados, identificam a religião muçulmana com o terrorismo, arremessam pedras contra a Polícia, vandalizam estabelecimentos comerciais e incendeiam viaturas, insultam o Governo e reclamam para si o papel de vítimas! Desta forma, a política de abertura e a cultura de acolhimento que tem sido defendida pelo Governo alemão - sempre contestada, internamente, pela extrema-direita e em flagrante contraste com a indiferença ou a impiedosa brutalidade dos países vizinhos - sofreu agora um perigoso revés.
O afluxo de significativas correntes migratórias oriundas da periferia ou de outros continentes, não é um fenómeno recente na Europa. As motivações dos emigrantes e refugiados são óbvias e bem conhecidas. São as mesmas que nos anos 60 levaram centenas de milhares de portugueses a abandonar a sua terra na esperança de encontrar em França ou na Alemanha oportunidades para melhorar as condições de vida que o seu país natal lhes negava. São as mesmas motivações dos milhares de dissidentes políticos, desertores e refratários perseguidos ao longo dos 48 anos que durou a interminável ditadura de Salazar e Caetano. Estes movimentos de populações em direção à Europa - que muito contribuíram e continuam a contribuir para o bem-estar das sociedades e o desenvolvimento das economias europeias - iriam contudo atingir dimensões inéditas quando, à miséria e à fome endémicas na África e no Médio Oriente, se veio associar a catástrofe humanitária resultante do agravamento da instabilidade política e das aventuras bélicas engendradas por George W. Bush, com o apoio de alguns aliados europeus, a pretexto dos atentados terroristas que indignaram o Mundo, em 2001.
Nenhum outro povo terá tão perfeita consciência das consequências trágicas a que conduz a intolerância e o ódio ao estrangeiro, como tem o povo alemão. Nenhum outro povo reconhecerá melhor que os alemães o valor incalculável da tolerância e do respeito pela diversidade étnica e cultural. Às provocações dos "hooligans" e às manifestações dos extremistas, têm respondido, sempre, esmagadoras concentrações de cidadãos dispostos a travar a escalada de violência. Em Leipzig, um cordão humano constituído por mais de três mil pessoas, equipadas com lanternas, envolveu o centro da cidade num abraço pacífico e luminoso.
Os governos europeus não têm desculpa nem perdão pelo trágico destino a que condenam os refugiados e imigrantes que atravessam as fronteiras dos seus países em busca de refúgio e de um futuro. A capitulação perante egoísmos nacionais ditados pelos preconceitos mais arcaicos ampliou as oportunidades da propaganda reacionária dos movimentos antidemocráticos da extrema-direita que tenta por todos os meios aliciar a opinião pública para os seus projetos políticos inconfessáveis. É tempo de a Europa exorcizar os seus demónios.