A colocação das agências de notação financeira no cone de fogo da crise transformou-se nos últimos meses num exercício prioritário - mas demasiado simplista. Afinal, elas, as agências, são um mero instrumento de avaliação à solta. E interesseiro.
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O agudizar dos problemas económico-financeiros na Europa é um bom ponto de partida para uma reflexão não confinada à "espuma" em que se movem as agências de notação. A Grécia, a Irlanda e Portugal são apenas três pedras de um dominó destrambelhado e que está a "mergulhar" a Europa num beco de restrições das quais não se vislumbra saída. A menos que...
Apesar de todo o oportunismo, a culpabilização das agências financeiras no acumular de erros estruturais de alguns países europeus é equação inquinada. A essência de todos os problemas - e extensível a todo o mundo... - deve-se a algo muito mais linear: a capitulação do poder político ao poder financeiro.
O revés da construção europeia nos últimos anos deriva da inexistência de políticos com visão e carisma bastante para se sobreporem a interesses particulares - incluindo os de natureza económico-financeira. A Europa, no somatório das várias nações que lhe tentam dar textura, é, afinal, exemplo de uma praxis adulterada - a Economia e a Finança deixaram de ser instrumentos da Política; ao inverso, instrumentalizaram-na.
O défice de personalidades políticas com peso específico para influenciar a construção europeia, aprofundando-a, deu, naturalmente, o actual resultado. E se a Europa é o somatório das virtudes e defeitos dos seus estados-nação, a crise presente espelha a centrifugação dos actuais protagonistas políticos - expressa num naipe mais interessado na especulação do que na produção - e a Finança bate palmas perante o imobilismo ou a deferência dos que a deviam meter na ordem.
A cedência do poder político ao dos interesses financeiros acaba, no fundo, por ser radial. E, por isso, tanto faz sentido que os países do Sul estejam subjugados ao discurso político faz-de-conta do eixo franco-alemão como, descontando as influências segmentadas, também tem a lógica dos condenados as regiões abdicarem do seu papel segundo um esquema mais ou menos micro. Levada a capitulação à última das consequências, percebe-se, assim, como a Europa do Sul perde protagonismo e dentro de cada um dos seus países também se dá a canibalização da influência, passe ela pela primazia de Castela sobre a Galiza ou a Catalunha, ou pela de Lisboa sobre o Norte de Portugal ou o Alentejo...
Aqui chegados é legítima a preocupação com as consequências resultantes da apreciação das agências de notação e das decisões tomadas pelo directório dos interesses. Pois. Como num beco sem saída.
Se a mudança parece impossível por gestação espontânea de protagonistas políticos de envergadura (há quanto tempo se debate, por exemplo, a hipótese de um ministério das Finanças europeu?), resta uma esperança: a de que a alteração do actual figurino se faça por imposição de movimentos sociais - e as manifestações de indignados e da chamada geração à rasca um pouco por todo o Velho Continente são um embrião. Não havendo alternativa...