Depois de o presidente da República (PR) ter nomeado Passos Coelho para formar e apresentar Governo dentro do prazo constitucional - dez dias - os trabalhos na nova Assembleia da República (AR) iniciaram-se com a eleição do seu presidente, a segunda figura do Estado. Venceu, à primeira volta, o socialista Ferro Rodrigues, que derrotou Fernando Negrão, candidato da coligação, por 120 contra 108 votos, o que significa a primeira vitória de um conjunto de partidos - PS, BE, PCP - que pela primeira vez se entenderam para viabilizar, apoiar e estabilizar um Governo "à esquerda".
Uma espécie de conjunto de "maus alunos", que não se amedrontaram com a irritação contrariada do professor quando deles na véspera falou, mas que ousaram democratizar a AR.
Apesar da inaceitável intromissão e pressão exercidas pelo PR sobre a Assembleia, prevendo uma série de pragas e maldições se ousassem não aprovar a "sua" escolha e não se conformassem com o "Governo minoritário" que até agora, e como maioritário, tão bem tinha obedecido a Bruxelas e Merkel e conduzido os destinos do país, os deputados socialistas resistiram à inegável tentativa de condicionar o seu voto que lhes chegou de Belém.
Para Cavaco Silva, maioritário ou não, mesmo com a existência de outra maioria, o que melhor salvaguardava o "interesse nacional" seria sem qualquer dúvida - "nunca me engano e raramente tenho dúvidas" - um outro Governo Passos-Portas, seguramente estável, embora sobrevivente a demissões irrevogáveis.
As eleições para a Assembleia da República servem para eleger deputados e não primeiros-ministros.
E o conjunto de partidos e coligações que defendiam a mudança de políticas ganharam as eleições, obtendo a maioria dos deputados.
A relação de forças é outra: a vontade de mudar as políticas foi maioritariamente sufragada pelos portugueses, o que quer dizer que quem defendia a manutenção das mesmas políticas dos últimos quatro anos, perdeu.
E isso vai marcar a XIII Legislatura, independentemente da vontade, institucionalmente ilegítima, do PR.
Aguarda-se com impaciência que Cavaco Silva cumpra as suas obrigações constitucionais e nomeie António Costa para a liderança de um outro Governo.
Nenhum português compreenderá que Cavaco possa condenar o país a um Governo de gestão.
Mas há ainda uma outra situação que mudou - temos uma AR com todos os seus deputados iguais em direitos. Acabaram-se os impedimentos inconstitucionais de desempenharem todas as funções que lhes são legalmente cometidas se não pertencessem a qualquer coisa que nem Pitágoras nem Tales de Mileto foram capazes de descobrir : "o arco da governação"!
Uma invenção dos políticos portugueses "do arco da velha"!
Cabe à Esquerda portuguesa, mesmo que tenha de engolir algumas velharias de retórica e uns poucos de sapos, demonstrar que é diferente, e é capaz de fazer melhor.
* Jornalista
