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Quando amanhã 50 chefes de Estado e de Governo (Donald Trump incluído) participarem na reabertura de Notre-Dame, a catedral gótica de Paris do século XII, destruída por um incêndio há cinco anos e restaurada a uma velocidade surpreendente, todos pensarão isto: eis um país que se dá a ver em festa ao mesmo tempo que submerge numa profunda crise política e económica. Os próximos tempos serão de impasse.
À hora em que escrevo esta crónica, desconheço ainda a resposta do presidente Emmanuel Macron à moção de censura que destituiu o Governo de Michel Barnier. No entanto, qualquer decisão que venha a tomar será sempre transitória. Em França, como em vários países europeus, vive-se uma persistente fragmentação política que conduz, em cada eleição, a governos instáveis, resultantes de coligações frágeis ou de executivos minoritários sem qualquer robustez para concretizar políticas estruturantes.
Confrontado com um défice orçamental que ultrapassa os 6% do PIB, Barnier procurou inverter os números, levando ao Parlamento uma proposta orçamental de 40 mil milhões de euros em cortes nas despesas e de 20 mil milhões de euros em aumentos de impostos. Ora, como se escrevia ontem na revista “The Economist”, “orçamentos sensatos, ou seja, penosos, não serão aprovados”. E o primeiro-ministro francês certamente que estaria bem consciente desse risco.
No hexágono, os média tradicionais condenam a aprovação da moção de censura. O jornal “Le Monde” critica “o jogo conturbado” protagonizado por Marine Le Pen, enquanto o diário “Le Figaro” fala, em editorial, da “tragédia de uma vida pública que entra em colapso”.
Impedido de convocar novas eleições até julho do próximo ano, Macron não tem um futuro fácil. De perfil megalómano, um homem que ambicionou ser uma espécie de “presidente-rei” confronta-se, neste seu último mandato, com um ocaso político que o atira para uma insignificância que será para si insuportável. Em contrapartida, a sua rival ganha progressivamente um fôlego que lhe permite sonhar com o Eliseu em 2027 e com Matignon num tempo mais curto do que decerto imaginaria.
Nestes tempos sombrios, abre-se neste fim de semana uma brecha de luz que se refletirá muito para lá da capital francesa. A reabertura de Notre-Dame far-se-á com muita pompa. Nos bastidores, a Igreja procurou minimizar o papel de Macron, impedindo-o de discursar dentro da catedral, mas o presidente contornou a dificuldade e improvisou uma visita prévia, protagonizada por si, destinada aos milhares de trabalhadores que estiveram evolvidos nesta obra. Amanhã, procurará atrair toda a atenção. Que já tem pelas piores razões.