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O escândalo em torno da Raríssimas põe a nu Portugal no seu pior. O país do novo-riquismo e do deslumbre. Por oposição ao trabalho voluntário e meritório de milhares de pessoas e de centenas de instituições. A triste história de uma associação financiada pelo Estado que financiava os luxos da sua presidente é um murro no estômago. Mas não pode, de todo, lançar um anátema sobre o terceiro setor.
Raríssimo, entre nós, é resistir à tentação da generalização fácil e ao arremesso indiscriminado da má-língua sobre classes ou setores que têm problemas específicos e identificados. Pode até ser apetecível partir de Sócrates para o típico lugar-comum "os políticos são todos corruptos". Ou inevitável avaliar os golpes e as falências na Banca portuguesa sob a perspetiva de que todos os banqueiros são ladrões. A fúria imparável e populista da opinião pública precisa de culpados rápidos e de derramamento de sangue. Ainda bem que a sociedade portuguesa é minimamente exigente. A realidade não é, porém, a preto e branco. A verdade não tem que ser básica.
O setor social é fundamental para o bem-estar, muitas vezes para a sobrevivência, para a formação e para o desenvolvimento de crianças, homens, mulheres e famílias. Por cada um dos 2,7 milhões de euros que o Ministério do Trabalho e da Segurança Social entregou à Raríssimas há pelo menos um cidadão beneficiário de apoio por parte de instituições privadas de solidariedade, misericórdias, centros paroquiais ou associações sem fins lucrativos. Para além do emprego que o terceiro setor gera e mantém, há milhares de voluntários que se dedicam a ajudar o próximo.
Quando um Estado, como é o nosso, não consegue chegar a todos os que precisam nem tem resposta para todos os dramas da vida humana, ainda bem que há instituições - e entre estas, desde há séculos na liderança do movimento solidário, a igreja católica - que preenchem esse espaço e se ocupam de cumprir uma missão social. Enquanto a Assembleia da República se preocupa em debater recomendações sobre o peso das mochilas, emanadas de grupo de trabalho criado para o efeito (ver "Diário da República" de ontem), há quem resolva problemas bem mais comezinhos, mas que fazem toda a diferença no bem-estar e na dignidade quotidiana de tanta gente.
O escândalo das Raríssimas tem que ser investigado, julgado e punido. Haja ou não conivências políticas, que devem ser apuradas a fundo. As crianças que a Raríssimas acompanha devem obrigatoriamente ser protegidas e o apoio que recebem continuado. Esse é o melhor exemplo que o Portugal social tem que dar.
*EMPRESÁRIO E PRES. ASS. COMERCIAL DO PORTO