<p>Já por mais de uma vez, nestes últimos tempos, o senhor procurador-geral da República veio chamar a atenção dos perigos resultantes da mistura entre a política e a Justiça. Anteontem, em Guimarães, por ocasião de uma cerimónia judicial, Pinto Monteiro voltou a referir o assunto, considerando que se trata de um "vício muito antigo", mas nem por isso deixa de ser "péssimo". Mais concretamente, aclarou: "Uma aproximação entre política e Justiça não é saudável para ninguém". "Não há contaminação política da Justiça, mas antes uma proximidade grande que seria de evitar".</p>
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Compreende-se que este tema esteja bem presente nas declarações do procurador-geral que, neste período bastante conturbado dos dias da nossa República, tem estado sob o fogo cruzado dos actores políticos. Mas, além do mais, trata-se ainda de uma certa réplica às afirmações expandidas por dois eminentes juristas a desempenhar ofícios que entram pela política dentro: o bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho e Pinto, e o secretário de Estado da Justiça, João Correia. O primeiro afirmara: "Há sinais evidentes de que o poder judicial está a funcionar segundo uma agenda política mais ou menos oculta". O segundo, e em alusão às palavras do bastonário, disse que se está "a transpor para o debate político muita coisa que é do poder judicial". Embora, ciente da polémica causada, adiantasse: "um ou outro caso de contaminação" entre política e Justiça "não justifica a generalização".
Ora, se tomarmos em conta os casos concretos que têm dado circunstância a este esgrimir de posições (os casos Freeport, Face Oculta, PT/TVI, etc.) percebe-se o "fogo cruzado" destas declarações entre personagens que, pelos cargos, sem confundir a independência dos poderes judicial e político almejada pela Constituição, actuam a um tempo político e judicial. Restam, portanto, alguns esclarecimentos por fazer.
Primeiro, todo o poder dos poderes em que se articula o poder do Estado tem uma acção política. Por outro lado, como bem lembrava Tocqueville a democracia política é "um assunto de todos". Em última análise, na "Polis", e em especial de cidadãos investidos em poder, todos os actos e gestos são políticos. Provavelmente, a contaminação que tem estado a ser confundida é a político-partidária. Porventura, no estado em que estão as coisas da República, também inevitável.