O jogo é arriscado, sobretudo para os interesses do país. Mas sem dúvida que a cartada do primeiro-ministro é surpreendente e eleva a parada na gestão da crise política. O dia frenético e recheado de especulações, prolongados silêncios e encontros determinantes termina com a recusa de António Costa de ceder às pressões de Marcelo Rebelo de Sousa, devolvendo-lhe o ónus de tomar decisões.
Corpo do artigo
Quais as razões para o primeiro-ministro arriscar uma nova ida às urnas e desbaratar a maioria absoluta num momento decisivo de execução de fundos comunitários, esticando a corda entre Belém e São Bento? Na defesa da sua recusa de aceitar a demissão do ministro João Galamba, exigida pelo chefe de Estado e esperada por grande parte do país, Costa referiu-se insistentemente à sua consciência e à leitura que faz dos últimos dias. A verdade, contudo, vai muito além das explicações sobre este episódio em concreto, as versões contraditórias, a novelesca sexta-feira no Ministério das Infraestruturas ou a ainda mal-esclarecida questão da intervenção do SIS.
Depois de nas últimas semanas se ter agigantado a voz de Marcelo, Costa entendeu que ceder aos seus pedidos o deixaria cada vez mais fragilizado. Até porque sempre deixou claro qual o seu timing para uma remodelação mais profunda: o fim da comissão parlamentar de inquérito, onde entretanto continuaremos a assistir a uma queima em lume brando de todos os responsáveis envolvidos no dossiê TAP.
Resta saber, agora, como responde o presidente da República. O comunicado emitido dá suficiente latitude para insistir numa solução política ainda liderada por António Costa ou para usar a bomba atómica, na defesa do "prestígio das instituições" que invoca a fechar a imediata reação ao primeiro-ministro. Já não estamos na fase dos arrufos e reaproximações, nem apenas num momento mais crispado entre Belém e São Bento. É um momento de clarificação, ou pelo menos de profunda alteração nas regras do jogo. Não será de ânimo leve que o chefe de Estado lançará o país em novas eleições, sabendo de antemão os riscos políticos, económicos e sociais para os quais, de resto, tanto tem alertado. Está nas suas mãos a chave para um quebra-cabeças em que o mais difícil será reconquistar a esperança dos portugueses.
A Direção