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Pouco importa discutir se José Sócrates é tão mau como os seus detractores apregoam ou se é tão brilhante quanto o próprio se reclama. O que é indiscutível, mesmo junto dos seus principais colaboradores e apoiantes, é que o actual Primeiro Ministro está irreversivelmente esgotado em termos políticos e que o seu Governo é uma comissão liquidatária de uma crise deprimente para a qual já não tem soluções.
O actual Governo tem alguns Ministros e Secretários de Estado competente e sérios? É óbvio que sim. Mas tem um grande naipe de gente impreparada e cinzenta e, principalmente, já nasceu desarticulado e sem chama para enfrentar o temporal de uma conjuntura particularmente adversa.
Entre todas as anteriores agonias de fim de ciclo vividas desde a institucionalização da democracia esta é a mais pateticamente dramática.
Em 1995, Cavaco Silva anunciou com tranquilidade e antecipação a partida após 10 anos de governação também esgotada mas globalmente muito positiva. Deixou o partido escolher um sucessor e conduziu, com dignidade, o País a eleições.
Em 2001, António Guterres, face ao resultado negativo nas eleições autárquicas, teve a coragem de dizer ao País que o que só ele e alguns colaboradores sabiam: a sua governação havia fracassado e a insistência numa continuidade voluntarista conduziria Portugal ao "pântano". Demitiu-se e deixou Jorge Sampaio escolher a melhor solução, que foi a da antecipação de uma consulta popular. Falhou, mas foi digno.
Em 2005, a história foi outra. Com o Governo de Santana Lopes com dificuldade em se impor face a uma opinião publicada muito adversa, foi o Presidente da República quem decretou o fim de ciclo. Estive entre os muitos cidadãos que discordou de tal decisão, mas Sampaio pode sempre evocar que o povo nas urnas ratificou a sua opção. Mas até nesse caso não houve uma agonia lenta à custa dos Portugueses e da saúde da nossa débil democracia.
Agora é diferente. Há um consenso nacional quanto à necessidade de mudança. Cavaco Silva desdobra-se em discursos de alerta e crítica. O Governo é minoritário e não consegue construir consensos mínimos no Parlamento. A rua contesta com exuberância nunca vista. A comunicação social já não tem palavras para tanto criticar. Contudo, o Governo resiste, Sócrates continua a profetizar os amanhãs que cantam, o País desespera, mas este "martírio"não parece ter fim à vista.
Porque uma crise não interessa ao calendário eleitoral dos dois principais candidatos presidenciais? Porque a Constituição e a Lei não permite eleições até à próxima Primavera? Porque os empresários e os mercados internacionais clamam por estabilidade? Talvez por tudo isto, mas a grande questão é a de saber se o regime e a economia resistirão a tanto calculismo e a tanta limitação da decisão.
É a forma como está ser consolidado este juízo que está a fazer a diferença entre as oposições, as credíveis e as irresponsáveis e folclóricas.
Irresponsáveis, as de extrema-esquerda para quem o caos e a fidelidade a teorias absurdas do século XIX continuam ser a cartilha do dia-a-dia.
Folclóricas, as que propõem o que sabem ser delirante e impraticável, como a proposta que pedia Sócrates para abandonar benevolamente S. Bento.
A responsável e equilibrada, que vai procurando balizar com realismo as decisões do Governo, definindo como inegociáveis determinados limites de princípio. É o que está a fazer desde há meses Passos Coelho, obrigando o governo a reformular o PEC, fazendo-o recuar nas SCUTS, definindo como inaceitáveis novos ataques à classe média no próximo Orçamento de Estado.
Passos Coelho já interiorizou decerto que pior do que os desgosto agudo de uma morte súbita é o sofrimento crónico com um doente terminal, cheio de escaras, a sofrer e a fazer sofrer indefinidamente a "família".
A morte deste Governo poderá acontecer pois no Outono, a eutanásia será filha da crónica intransigência teimosa do Primeiro Ministro e o coveiro terá que ser, quer queira quer não, o próximo Presidente da República.