1. Em novembro passado referi-me neste espaço à iniciativa do Governo para a definição de um novo estatuto para as entidades intermunicipais que, na altura, estava pronto para ser debatido na Assembleia da República. Na crónica que então escrevi, procurei demonstrar a insensatez da proposta - o título era mesmo "Bom senso precisa-se" - considerando que não se estava a promover nenhum progresso face ao quadro vigente mas, nalguns aspetos, a dar passos atrás. Terminava dizendo: "Simplesmente, não se entende, não é razoável. É regredir...".
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Confesso que, face à dura posição assumida pela Associação Nacional dos Municípios e perante as críticas vindas dos mais diversos setores de opinião, cheguei a pensar que o Governo iria emendar a mão. A criação de inúmeros novos cargos políticos, a menorização das assembleias e das câmaras municipais e o papel secundário deixado para os seus presidentes era de tal forma contraditório com o discurso do Governo, que me convenci que chegada a hora da verdade, a maioria parlamentar encontraria forma de reduzir os danos. Mas não. Persistindo na teimosia irracional que caracteriza muita da atividade governativa, o projeto foi votado pela maioria sem qualquer alteração.
Foi, uma vez mais, o Tribunal Constitucional quem travou a ação predadora deste Governo decidindo, neste caso, por unanimidade.
Foi de novo o TC a pôr fim a mais uma insensatez, fruto de uma arrogância desmedida e de um autismo recorrente. Que credibilidade podem ter um Governo e uma maioria quando sucessivamente atropelam a Constituição da República? Que necessidade de mostrar serviço justifica tal ligeireza?
Todos sabemos que esta reforma era protagonizada por Miguel Relvas, que a assumia como sua. Na altura, o ex-ministro, constantemente referenciado na comunicação social pelas piores razões, corria atrás de algo positivo que pudesse tornar menos pesada a imagem que de si passava. E tão importante se mostrou em certo momento esta hipotética reforma que o levou a impor-se ao grupo parlamentar, negligenciando os avisos que vinham dos autarcas do seu partido e mesmo de alguns deputados.
O resultado está à vista - o diploma foi rotundamente chumbado. O que fica de mais nesta cena é a imagem de um Governo impreparado, insensato e insensível às opiniões que não coincidam com a sua. Depois do puxão de orelhas do presidente do Tribunal Constitucional ao primeiro-ministro ocorrido no último Conselho de Estado, os factos vieram dar-lhe razão e reforçar a sua posição.
Falta saber o que vai acontecer ao diploma agora rejeitado. Segundo o líder do grupo parlamentar do PSD, "com a serenidade de quem tem muito firmes estes propósitos, analisaremos a decisão e agiremos no plano parlamentar por forma a ultrapassar esta decisão no sentido de tornar este instrumento legislativo insuscetível de qualquer dúvida do ponto de vista constitucional".
Ou seja, vão voltar a procurar alterar o quadro em que se movem hoje as áreas metropolitanas e as comunidades intermunicipais. Vão, afinal, insistir numa reforma que não se mostra necessária no figurino desenhado pelo Governo. Expurgando as inconstitucionalidades mas mantendo os princípios orientadores do falecido diploma estamos, insisto, a regredir. Se atualmente estas instituições funcionam e ninguém reivindica a sua profunda alteração, por que vão mexer-lhes? Só por teimosia. Por favor, não estraguem mais!
Comentando o chumbo do Tribunal Constitucional, a Associação Nacional dos Municípios Portugueses, pela voz do seu vice-presidente Rui Solheiro, afirmou ser esta decisão "uma vitória do poder local democrático e autónomo". Sem dúvida. Mas é também a derrota do oportunismo, da leviandade e da ligeireza com que se encara a ação política.
2. Há 125 anos nascia no Porto este prestigiado jornal, fruto da iniciativa de um conjunto de políticos regeneradores. De então para cá, não mais deixou de crescer e de se afirmar como uma grande referência da cidade e da região. Muitos dos grandes periódicos que nestes longos anos se fundaram no Porto, grandes títulos regionais e nacionais, desapareceram. Mantém-se de pé, forte, independente, rigoroso, o JN. Com o Futebol Clube do Porto, são as únicas instituições centenárias da cidade que passaram todas as crises sabendo vencer e se tornaram suas referências incontornáveis a nível nacional.
A todos quantos contribuíram para que o JN seja o que é e o fazem hoje digno do seu passado, vai a minha sentida homenagem.