Nos primeiros nove meses do ano morreram 19 pessoas em contexto de violência doméstica, 14 das quais mulheres. Duas mil foram acolhidas na rede nacional de apoio às vítimas e mais de 31 mil pediram ajuda às autoridades.
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Os números são idênticos aos de 2000 e contam uma história interminável, sobre a qual há pouco a dizer. Continuamos a lidar com uma realidade intolerável de relações violentas, em que a mulher é maioritariamente a vítima.
A partir desta semana, em que se assinala o Dia Internacional da Eliminação da Violência contra as Mulheres, as estatísticas de violência doméstica passarão a estar constantemente atualizadas no respetivo portal. E para o próximo ano está prometida uma nova base de dados que visa facilitar a circulação de informação entre diferentes entidades. A falta de cruzamento tem sido precisamente um dos problemas identificados em sucessivos retratos do que falha nos estudos de caso de homicídio conjugal.
Quando se começa a detalhar o percurso de vítimas que se sujeitam a décadas de maus-tratos, não raras vezes custa a desenovelar o fio de pedidos de ajuda sem qualquer resultado, os silêncios envergonhados, as razões profundas que levam a que a violência se instale numa família à vista de filhos, familiares, amigos. Cada vez que se regista um crime, falham polícias, serviços sociais, hospitais e tantas outras instituições envolvidas na assistência a vítimas. Mas falhamos também todos nós, pelas razões sociais e culturais que permitem a subsistência de gestos subtis de dominação e de agressão.
Discutimos há muito o problema, desde as lacunas no sistema judicial às abordagens mediáticas do fenómeno. Vamos dando passos, mas parecem sempre pequenos para reduzir a quantidade de vítimas e o peso da violência. Nenhuma estatística traduz o sofrimento e não há vida nenhuma que caiba num número. Só conseguiremos combater a violência através de profundas mudanças culturais e percebendo que a dignidade das mulheres depende de múltiplos fatores, que começam na família mas estão muito para além dela. É um combate implacável e que exige o envolvimento firme de todos. Por muito que pareça que tudo isto já foi dito e repetido, quase tudo continua por fazer.
*Diretora