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1 É verdade que a democracia tem custos. Mas não é menos que o país vive uma crise sem precedentes. Temos 500 mil desempregados e mais de dois milhões de pobres. Seria de esperar que, apesar da multiplicação de actos eleitorais, a classe política fosse capaz de conter-se, mais que não fosse por respeito a quem tanto vai sofrendo. Aconteceu o contrário. O custo das campanhas eleitorais passa de 76 milhões (2005) para 91 milhões de euros (2009). Um aumento à conta das campanhas autárquicas. Nestas, o bolo total sobe de 62 para 77 milhões. Para além do insulto, um número que constitui uma pista sobre o muito que se joga por esse país fora. A manutenção e conquista de pequenos poderes é apetitosa. Há empregos para distribuir, obras sem concurso para entregar, uma imensa clientela partidária que é preciso alimentar. Basta ver a quantidade de outdoors que inundou as ruas dos nossos concelhos para perceber a orgia financeira em que se transformaram as eleições autárquicas. Sendo que, às verbas contabilizadas como campanha, há que somar os milhões que estão a ser gastos por quem está no poder para promover o seu mandato. Pode não haver dinheiro para recuperar uma escola, asfaltar uma rua, construir um jardim. Mas haverá sempre alguma coisa para marketing e comunicação. Ou seja, para mais um outdoor.
2 Nos dias que antecederam as eleições, boa parte das imagens que correram o Mundo mostravam afegãos que conduziam burros por montanhas e desfiladeiros, fazendo chegar os boletins e urnas de voto a todo o país. Imagens com enquadramentos de fazer perder o fôlego e dar a sensação de que se vivia uma jornada rumo à democracia. Tudo muito emocionante e compensador para a opinião pública ocidental, demonstrando que o esforço de guerra, sobretudo em vidas humanas, talvez valha a pena. Só que as imagens, ainda que espectaculares, escondem uma realidade menos atraente. O Mundo ocidental, com os Estados Unidos na liderança, instalou-se há muito no Afeganistão. Mas não só não encontrou forma de vencer a guerra e fazer a paz, como não foi capaz de construir, com os afegãos, um sistema em que haja algum respeito pelos direitos humanos. Ao contrário, o regime fantoche instalado e protegido pelo Ocidente - ou seja, por nós - deu-se ao luxo de dar força de lei a tradições tão repugnantes como o direito do marido castigar a mulher, privando-a de alimento, caso ela não lhe satisfaça os apetites sexuais. É este o verdadeiro Afeganistão, uma região tribal, violenta, retrógrada. Os ocidentais não o conseguirão mudar. E também não conseguirão vencer a guerra, porque os inimigos não se distinguem dos amigos. Ambos cultivam o ópio e a violência. E assim sendo, o que lá estamos a fazer? O que estão 100 militares portugueses ali a fazer? E para que serve enviar, em Janeiro, mais 150 homens? Receber uma palmadinha nas costas de um general americano qualquer não chega para justificar a participação na fraude afegã.