Corpo do artigo
Não satisfeito com os tremendos sacrifícios que tem vindo a impor aos portugueses, o primeiro-ministro aí está, de novo, a infligir-nos mais um conjunto de medidas de austeridade para cumprir subservientemente as imposições da troika. Demonstrando a mesma insensibilidade de sempre, carrega ainda mais sobre os funcionários públicos, os pensionistas e os beneficiários de prestações sociais, persistindo numa política comprovadamente errada. Com uma frieza arrepiante, Passos Coelho anunciou a imposição de mais 4800 milhões de euros de sacrifícios, que atira para cima dos mesmos. No seu tom, vislumbrou-se agora um sentimento de pequena vingança, como que a procurar transmitir a ideia de que ao Tribunal Constitucional se deve esta nova penalização por não ter feito vista grossa às propostas inconstitucionais constantes do orçamento.
Por parte do Governo, tudo isto é incontornável, imperioso e inadiável. Não é culpa sua, tem argumentado, mas de quem antes governou o país e nos trouxe até este abismo. No julgamento do ministro das Finanças não escapa mesmo ninguém, de há longos anos para cá. Todos são coniventes com a difícil situação que vivemos, por anos e anos de desperdício, má gestão e incompetência. Investimentos grandiosos, despesa sumptuária, regalias sociais desmedidas, tudo sem benefícios visíveis e duradouros para o país. Um passado para esquecer.
Ora é verdade que estamos a viver tempos muito difíceis e que, se todos soubéssemos antes o que hoje sabemos, algumas das opções assumidas por governos anteriores teriam sido diferentes.
Mas era preciso ter adivinhado, nomeadamente que a Europa iria sofrer uma crise de que ainda não conseguiu livrar-se. Daqui até se concluir que tudo o que ficou para trás é terra queimada resultando apenas no avolumar da dívida vai, porém, uma grande distância.
Esta semana dei-me a passear pela Base de Dados sobre Portugal Contemporâneo, organizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. A imensidão das estatísticas ali tratadas dão-nos a imagem do país que somos, do país que éramos e do caminho que percorremos para aqui chegar.
Bem ao contrário do que muitos hoje dizem, procurando iludir a sua incompetência com um atirar de culpas para cima dos que os precederam, temos boas razões para estar orgulhosos de muito do que foi feito nos últimos anos. Os números falam por si.
Em apenas 20 anos, a esperança média de vida à nascença passou dos 74 anos para os 78,7. E se recuarmos até 1970, a esperança de vida era então de apenas 67 anos. A taxa de mortalidade infantil é hoje de 3,4 por mil ( uma das mais baixas do Mundo e mais baixa que a média europeia ) e era em 1970 de 55,5 por mil (uma das piores do Mundo civilizado). O número de médicos por habitante passou de 280 para 405 nos últimos 20 anos e o número de enfermeiros de 282 para 610, no mesmo período. É evidente que a despesa do Serviço Nacional de Saúde, em consequência, também aumentou, passando de 181 euros por habitante para os 954. Ainda nestes últimos 20 anos, o número de crianças que frequentam a educação pré--escolar subiu 65%; mas se recuarmos a 1970, então cresceu 3500%. O número de agregados domésticos com ligação à Internet em casa passou, em apenas 10 anos, de 15% para 61%. Por seu turno, os assinantes de serviço móvel eram 6,5 milhões em 1990 e atingem hoje o impressionante número de 20 milhões. A despesa em investigação e desenvolvimento cresceu de 0,5% do PIB para os 1,5% no mesmo período.
Nem tudo são autoestradas às moscas ou estádios de futebol sem público. Com erros de percurso, com certeza, mas o país progrediu e desenvolveu-se em todos os domínios.
Mas vivemos agora tempos de incerteza, de medos. A impreparação de quem nos governa para enfrentar e saber superar os problemas desta crise inesperada é por de mais evidente.
Assusta. A destruição que está a operar-se em muitos setores e nas condições de vida dos portugueses é gritante. Construir, organizar, progredir demora muito; destruir é muito mais rápido.
Sempre pensei que deixaríamos aos nossos netos um país bem melhor do que aquele que encontramos. Infelizmente, hoje, já não sei.