Os resultados da execução orçamental, em 2013, são bons ainda que seja imprudente jogar tantos trunfos nesse exercício, quando se teria atingido a meta convencionada mesmo sem os resultados extraordinários provenientes da regularização fiscal. Oxalá não nos façam falta em 2014!
Corpo do artigo
Olhando para além do horizonte imediato, percebemos que, com troika ou sem ela, aquilo com que nos comprometemos até 2020 é, tudo o faz crer, inexequível: até com uma boa conjuntura envolvente, nunca conseguiremos crescer o que seria necessário para pagar juros e dívida, a não ser que as condições e os prazos sejam drasticamente alterados. Como não parece provável que se consiga fazer essa reestruturação apenas por recurso ao mercado, algum tipo de renegociação, ou o que lhe quiserem chamar, será necessária. Uma reforma do Estado, a sério, traria credibilidade: com todas as receitas extraordinárias e um "colossal aumento de impostos", o sucesso deste ano ainda corresponde a um défice enorme. Se o país, como um todo, já gera rendimentos que permitem reduzir a nossa dívida externa global, fá-lo sem o contributo do Estado.
Há quem duvide da sustentabilidade da actual situação: as importações têm estado muito contidas mas, por boas (novo investimento requerendo importação de equipamentos) ou más (aumento do consumo, sobretudo de bens duradouros) razões, é muito provável que o saldo sobre o exterior volte a negativo. A solução, já todos o sabem, requer uma mudança no nosso modelo de desenvolvimento. Fácil de dizer, difícil de concretizar em políticas e acções. Sabemos o que não queremos: um crescimento anémico, em que o prometido efeito multiplicador resultante da polarização de recursos na capital nunca aconteceu, tornando o território cada vez mais desigual. Sonhamos com mais crescimento, assente num melhor aproveitamento das competências e recursos humanos, tecnológicos e naturais e num maior equilíbrio territorial. No "como" está o busílis da questão. Todos o sabemos. Por estas, e por outras, o processo de preparação do plano de afectação dos fundos estruturais, à nossa disposição até 2020, deveria ser o mais participado e mobilizador possível. No fim de contas, está em causa o nosso modelo de desenvolvimento.
As fases de crise são propícias a um reforço da centralização, ao cesarismo iluminado e salvífico ainda que presunçoso. Em democracia não é preciso nenhum Brutus para derrubar o César: essa é a função das eleições. O bom senso diria que para além de aberto à participação cívica (um "conselho de sábios" é pouco) e envolver os partidos políticos e os parceiros sociais, a preparação do acordo de parceria não pode deixar de auscultar o poder local. Não quer isso dizer que nos percamos em reuniões inúteis e sem fim. Alguém tem de dar o pontapé de saída, produzir um guião, um documento de base, impor prazos e ritmos. A eficácia não é incompatível com a participação quando, quem coordena, sabe aonde quer chegar. Para quem anda perdido, todo o tempo é pouco. Fecha-se sobre si próprio, arroga-se saber o que é bom para os outros e acaba, quase sempre, capturado pelos lóbis.
Alexandra Figueira (parabéns!), no JN, veio pôr o dedo na ferida: a Comissão Europeia (CE) não apreciou o que o Governo lhe propôs. A CE poderá não ter razão nenhuma: não poucas vezes sugere modelos únicos, pensados para "tamanhos grandes", que não nos são apropriados. Se assim fosse, a confidencialidade com que tudo foi conduzido deixaria o Governo, mesmo que tivesse razão, só e fragilizado. Esse trabalho do JN e a tomada de posição da Câmara Municipal do Porto (CMP) provam que não será assim, que as preocupações da CE resultam de não verem cumpridos padrões, em termos da fundamentação, das prioridades políticas e de coesão social e territorial, que consideram decisivos para uma adequada aplicação dos fundos. Não querem mais do mesmo. Em vez de tergiversar, o Executivo andaria bem melhor se atalhasse caminho, abrisse o jogo e respondesse ao repto que, em certo sentido em nome do país, a CMP lhe lançou. Quando é para melhor, estamos sempre a tempo de mudar. E não se perde a face.