A crise no Serviço Nacional de Saúde é hoje cada vez mais evidente e coloca em causa o acesso básico a cuidados de saúde de milhares de pessoas. Agravada pela pandemia, esta crise tem colocado em evidência as inúmeras fragilidades que deixaram profissionais de saúde exaustos e milhares de doentes sem acesso a consultas ou cirurgias.
Os números importam e impactam: mais de 1,5 milhões de pessoas inscritas sem médico de família no final de janeiro de 2023, serviços de urgência dos mais relevantes hospitais do país com longas horas de espera e dificuldade de resposta, meses, e em alguns casos, anos, de espera para uma consulta de especialidade, cirurgia ou até para um simples exame complementar de diagnóstico.
Assiste-se à saída de milhares de profissionais altamente qualificados do Serviço Nacional de Saúde, e do país, e muitos dos que ficam, médicos e enfermeiros, já assinaram escusas de responsabilidade.
Este é o retrato de um Serviço Nacional de Saúde fragilizado. Esta realidade, percecionada pelas pessoas, contribuiu para um aumento brutal do número de portugueses que se viu obrigado a contratualizar seguros de saúde privados. Recorde-se que, em outubro último, foi atingido o recorde de mil milhões de euros suportados pelos portugueses, do seu bolso, para custearem estes seguros.
À falta de resposta do Serviço Nacional de Saúde, quem tem recursos, e mesmo que sejam limitados, vê-se obrigado a recorrer ao privado. É o aprofundamento da desigualdade entre quem pode e quem não pode, numa área tão crítica como a saúde.
A criação do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde está longe de ser a resposta milagrosa para os seus múltiplos problemas, muitos de gestão. Há, por isso, vários contributos e melhorias que podem e devem ser introduzidos no sistema, com vista a torná-lo verdadeiramente a resposta, sobretudo, para quem mais precisa. Não basta a alocação de verbas, mantendo tudo igual, esperando que daí advenham resultados diferentes. Um dos caminhos alternativos que se discutem por estes dias é uma mudança completa de paradigma: instituir o financiamento do Serviço Nacional de Saúde e dos seus profissionais, em função dos resultados em saúde. Ou seja, colocando a pessoa no centro das políticas públicas, como devia suceder sempre. Esta é a realidade, por exemplo, das USF modelo B, onde os profissionais de saúde - e não só - são incentivados e valorizados por alcançarem resultados previamente contratualizados e que se traduzam na melhoria da saúde dos portugueses.
Numa altura crítica para uma área tão importante da vida das pessoas, não basta diagnósticos sem a consequente mudança de paradigma. Uma verdadeira política de incentivos ajudará a estancar a hemorragia que tem colocado em causa uma das maiores conquistas das últimas décadas: um Serviço Nacional de Saúde ao serviço das pessoas, sobretudo, de quem mais precisa.
*Jurista
