O final do ano é propício a balanços. E muito haveria para dizer sobre o ano que finda. Acrescento, no entanto, que um acontecimento só é marcante, não por ter ficado no passado, mas pelo que nos anuncia sobre o futuro. E é por isso que a minha eleição vai para a implantação da extrema-direita, com o Chega a transformar-se no segundo maior partido do Parlamento. Por obra e graça de um líder político oportunista que soube perceber, amplificar e tirar partido, como nenhum outro, dos tempos politicamente polarizados em que vivemos. Um demagogo que, no sentido original, em grego, remetia para líder do povo, mas que, nos nossos tempos, remete para o que manipula o povo. Não é por acaso que André Ventura, poucos meses depois de ter sido candidato a primeiro-ministro, se candidata a presidente da República. O demagogo necessita de atenção permanente, é condição essencial à sua sobrevivência, crescimento e eventual tomada do poder.
E o que anuncia afinal para o futuro essa implantação da extrema-direita? Desde logo, e dentro de poucos dias, a hipótese real de termos o seu líder a disputar uma segunda volta das presidenciais. E só isso faz com que a primeira volta das eleições sejam as mais importantes deste meio século de democracia. Não porque Ventura tenha alguma hipótese de chegar à chefia do Estado (será derrotado, qualquer que seja o oponente), mas porque o simples facto de ser um dos finalistas daria um fortíssimo impulso à extrema-direita e à normalização da sua mensagem política abrasiva e intolerante, à sua cultura de pureza étnica e religiosa. Em resumo, uma ameaça à democracia liberal, tolerante e inclusiva, apesar dos defeitos em que tropeçamos todos os dias, como a pobreza, a exclusão, a desigualdade, por causa da soberba de uma classe política supostamente moderada demasiado cheia de certezas.
Não há votos inúteis. Todas as opções são válidas, desde que a opção seja tomada de forma livre e informada. Mas nunca antes, como a 18 de janeiro, o voto de cada português precisou de ser tão ponderado. Por um voto a mais ou a menos, poderá estar a empurrar a raposa ainda mais para dentro do galinheiro.

