Uma reforma fiscal para a coesão territorial
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"A depauperação e a desertificação do Interior é o crime do século", declarou o então presidente do Tribunal Constitucional, Costa Andrade, em abril de 2021.
A coesão territorial é uma incumbência constitucional prioritária do Estado, "eliminando progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo e entre o litoral e o interior" (art.º 81.º al. d) da Constituição). É um dever prioritário dos governos e um direito das populações.
A política fiscal é um instrumento fundamental de coesão territorial. A justa repartição do rendimento e da riqueza entre cidadãos e territórios é uma das funções do sistema fiscal (art.º 103.º da Constituição).
Porém, o sistema fiscal não está a cumprir essas finalidades constitucionais. Esta é uma conclusão da linha de investigação que temos no ISEG acerca desta matéria, especialmente: São Marcos, M.B.C. (2025), "O Efeito Redistributivo do IMT na Coesão Territorial"; Mateus, D.F.C. (2023), "O Imposto Municipal Sobre Imóveis e a Coesão Territorial: Os Casos de Beja, Lisboa e Peso da Régua"; e Gonçalves, M.M.B. (2023), "A Evolução dos Valores Fiscais e de Mercado dos Imóveis para Habitação".
A receita do IMT, a principal fonte de financiamento municipal, quase triplicou desde 2003, mas o seu crescimento real concentrou-se nos municípios mais desenvolvidos do litoral, deixando para trás os mais desfavorecidos do Interior e, descontado da inflação, ocorreu mesmo uma quebra no Douro e na Beira Baixa, como revela o gráfico em baixo (São Marcos, 2025).
Em vez de promover a coesão territorial, o IMT agrava a desigualdade territorial.
Com o IMI ocorre o mesmo. Desde 2013, a proporção de receitas deste imposto favorece os municípios mais desenvolvidos em detrimento dos mais desfavorecidos (Daniel Mateus, 2023). Este fenómeno é agravado por uma maior propensão para a evasão fiscal no setor imobiliário no Interior, o que diminui ainda mais os recursos financeiros dos respetivos municípios (Gonçalves, 2023).
Existe uma relação linear e significativa entre as receitas destes impostos e o crescimento económico e populacional dos territórios (São Marcos, 2025, e Mateus, 2023).
Destas receitas depende o investimento público dos municípios e a sua capacidade de atraírem investimento privado, pelo que têm um papel decisivo para a coesão. Porém, o modo desigual como se distribuem essas receitas provoca efeitos opostos e agrava a desigualdade territorial.
A política fiscal está, há muitos anos, a agravar o fosso entre os territórios mais desenvolvidos e os mais desfavorecidos, ao contrário da sua função constitucional.
Portugal necessita de uma reforma fiscal para a coesão territorial. É necessário alinhar o IMI e o IMT com esse seu objetivo constitucional. A afetação de uma parte das receitas destes impostos a um fundo tributário de coesão, para permitir a sua redistribuição a favor da coesão, seria um instrumento provavelmente adequado. Essa medida poderia também reduzir o incentivo ao licenciamento urbanístico com o objetivo de aumentar as receitas. Poderia ainda essa medida ser incluída numa reforma mais vasta da tributação do património imobiliário, rústico e urbano e da tributação municipal em geral, que a tornasse um instrumento eficiente de desenvolvimento económico do Interior, incluindo a criação dos benefícios fiscais em sede de impostos sobre o rendimento, propostos por Carlos Tavares no JN de 13/1/2025.