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Os adolescentes portugueses sentem-se mais infelizes, sinalizam sintomas físicos e psicológicos de ansiedade e mau humor, gostam menos da escola, têm mais dificuldades relacionais com os pais e os amigos, aumentaram comportamentos autolesivos. Os dados constam do estudo periódico "Health behaviour in school-aged children", feito por entidades de 51 países em colaboração com a Organização Mundial de Saúde, e agravaram-se em todos os parâmetros face aos números de 2018. Evidenciam algo que estudos parcelares anteriores foram expondo e que intuitivamente desconfiávamos que iria acontecer: a pandemia e os condicionamentos sociais tiveram efeitos pesados entre os mais jovens.
Não vale a pena olhar pelo espelho retrovisor e relançar o debate sobre as decisões de encerramento de escolas, o centramento do sistema de saúde na resposta à covid e a forma como nos focámos no novo coronavírus como risco exclusivo ou preponderante sobre os demais. Ainda que com inevitáveis consequências negativas, as medidas adotadas foram eventualmente as melhores face ao conhecimento que tínhamos à data - e sobretudo face ao medo e ao desconhecimento que nos invadiram.
Importa, isso sim, olhar sem subterfúgios estes dados e perceber como se recuperam as fragilidades denotadas pela avaliação do estado de saúde dos nossos jovens. E assumir que, ao contrário do que se tentou fazer passar a certa altura com um discurso que criava clivagens geracionais e acusava os mais novos de serem ameaça para os mais idosos, foram diferentes mas igualmente penalizadores os efeitos da pandemia em diferentes faixas etárias. Dois anos letivos de anormalidade pesam, e muito, na formação social e emocional de um adolescente.
Num país em que há défice de especialistas no serviço público e os milhões vindos do PRR para a saúde mental estão ainda focados em infraestruturas básicas para doentes psiquiátricos, está quase tudo por fazer para que as escolas ou os centros de saúde tenham ferramentas que permitam intervir com eficácia. Está até por fazer uma revolução que acabe com tantos mitos e preconceitos sobre o tema. Essa revolução exige recursos, investimento, pensamento estratégico. E é urgente começá-la já.
*Diretora

