É curiosa a expressão que, entre nós, qualifica as mexidas nos governos.
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"Remodelar" parece significar a adoção de um novo "modelo", literalmente uma retificação do anterior, como se as mudanças configurassem, não a descoberta de pessoas para melhor servir o modelo que já lá estava, mas sim construir, com as recém-chegadas, um formato renovado.
Em inglês, "reshuffle" parece mais divertido: é tornar a "baralhar", numa lógica de um novo conjunto para um novo começo, como num caleidoscópio. Em francês, o conceito é mais burilado: "remanier" acarreta um "manuseamento" por quem detém os cordelinhos dos atores da peça. Mas, no fundo, é tudo a mesma coisa.
As remodelações, ocorram pelos motivos que ocorrerem, fazem parte do dia a dia dos governos. A imprensa fica furibunda quando as não prevê, mas adora-as: especula sobre elas, aponta-lhes candidatos, para as saídas como para as entradas. Uma remodelação é uma festa mediática, presta-se a intrigas, os lóbis funcionam nos seus bastidores. E, entre nós, tem uma regra quantitativa: substituir um ministro ou dois não configura uma remodelação. Nem mesmo três. Mas quatro, já é! Exatamente como as "goleadas", no futebol.
Sempre entendi que uma remodelação nem sempre é a confissão de uma aposta falhada. Alguns ministros podem ter correspondido ao que deles se exigia. A mudança pode significar apenas que se esgotou o seu tempo útil na governação e que, perante uma fase subsequente na aplicação das políticas públicas para o setor, uma cara fresca permite ganhar tempo, suscitar expetativas, diluir temporariamente a pressão. É que as caras "gastam-se", os discursos cansam e, mesmo sem o registo cínico do "Leopardo", às vezes é preciso que alguma coisa mude para que tudo continue na mesma.
Ficou célebre, no Brasil, a história de um não-convite para um governo, numa anunciada remodelação. Alguém havia alimentado a esperança de integrar o executivo. A imprensa já dava o convite em letra de forma, os amigos do visado felicitavam-no por antecipação. Só falhava um "detalhe": o diabo do convite tardava em surgir. O potencial governante decidiu não fazer esperar a sorte e foi falar com o titular do poder. Este, franco, disse-lhe que, na realidade, nunca tinha pensado nele para o tal cargo. O homem caiu das nuvens! Ia ser um vexame! A família, os amigos, que horror! O chefe do executivo sugeriu uma solução: à saída da audiência, o nosso homem diria à imprensa que tinha sido convidado mas que decidira recusar... E assim foi!
*EMBAIXADOR