Num tempo dominado pela apresentação do Orçamento Geral do Estado para o próximo ano, reconhecido como altamente penalizador para a já enfraquecida classe média, o Governo teve mais uma semana para esquecer.
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Não lhe bastando as críticas que chovem de todos os lados contra os cortes nas pensões, contra a redução dos salários dos trabalhadores da Administração Pública, contra o aumento da carga fiscal e até contra a redução simbólica da taxa do IRC, a coligação governamental passou nestes últimos dias por um conjunto de situações que denotam a intranquilidade e falta de coordenação em que vivem.
Desde logo, o anúncio feito pelo ministro Pires de Lima, em Londres, de que Portugal iria negociar com Bruxelas um programa cautelar já no início do próximo ano. Percebe-se a boa intenção. Com o país deprimido por sucessivas más notícias, afastar a hipótese de um segundo resgate seria a tal luzinha no fundo do túnel de que o primeiro-ministro fala incansavelmente mas que ninguém ainda conseguiu ver. Só que o ministro da Economia agiu, pelos vistos, em roda livre. Passos Coelho, ao ser confrontado na Assembleia da Republica com a notícia, não conseguiu disfarçar o incómodo e o PSD mostrou-se surpreendido. Bruxelas, quando questionada, assobiou para o ar. E a Oposição, como lhe compete, denunciou a precipitação e incomodou o Governo.
Ainda durante o debate quinzenal, nova trapalhada. O já célebre folhetim do guião da reforma do Estado, ideia lançada há um ano por Paulo Portas para iludir a dureza das críticas à falta de orientação do Governo na elaboração dos orçamentos, teve mais um episódio. Depois do Conselho de Ministros extraordinário de junho passado, em que o guião voltou a ser vedeta, pouco mais se soube da proclamada "refundação". Agora o primeiro-ministro tira-o da cartola, em pleno debate, para anunciar que seria aprovado na passada quinta-feira. Mas não foi. Afinal, dizem, será no próximo Conselho de Ministros. Segundo o DN, este é o décimo adiamento.
Só que, surpresa das surpresas - no calor do debate Pedro Passos Coelho afirma que a reforma do Estado está já em curso há dois anos e meio. Ficamos então todos esclarecidos. A reforma do Estado é, afinal, o somatório de todas as medidas impostas pela troika e resume-se a um forte agravamento da carga fiscal e a cortes indiscriminados na despesa. Para que serve então o adiado guião?
Como se tudo isto não fosse já suficiente para uma semana aziaga, as agora difíceis relações com Angola voltaram a ficar na ordem do dia. Em entrevista à televisão pública, o ministro dos Negócios Estrangeiros angolano reitera o esfriamento das relações com Portugal e responsabiliza Lisboa por esse facto, na linha da comunicação antes feita pelo presidente José Eduardo dos Santos. Mas mais. Afirmou que "Angola vai olhar para outros horizontes" e referiu o Brasil, a África do Sul e a China como parceiros estratégicos em substituição de Portugal.
Depois da infeliz entrevista do ministro Rui Machete, não faltou quem, entre nós, tenha interpretado as declarações das autoridades angolanas e os editoriais do "Jornal de Angola" como uma forma de pressão sobre o Ministério Público português para fechar as investigações que estão na origem deste mal-estar. Só que agora o problema ganha uma nova dimensão. As declarações do ministro Georges Chikoti à TPA foram feitas já depois de o presidente Cavaco Silva ter informado que o seu gabinete tinha contactado a Presidência angolana, procurando desanuviar a situação. Quem conhece a forma de agir das autoridades de Luanda sabe que nada disto acontece por acaso. O ministro veio reafirmar tudo o que José Eduardo dos Santos já declarara, mesmo depois da intermediação da Presidência da República portuguesa. Desta vez a questão parece ser bem séria. Já antes, com Mário Soares, alguns episódios criaram atritos entre Lisboa e Luanda que o tempo e a diplomacia se encarregaram de desanuviar. Mas nunca antes, como agora, o chefe de Estado angolano fez declarações tão objetivas e formais, perante o Parlamento do seu país e falando sobre o Estado da Nação. Oxalá o bom senso e a longa história de respeito mútuo prevaleçam sobre a emotividade do momento que passa.
O que é certo é que nada correu bem nesta semana à desgastada coligação que nos governa, muito por sua culpa. Como bem diria o pequeno gaulês, de novo entre nós, "o céu está a cair-lhes em cima da cabeça".