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A maior questão económica portuguesa não é a do défice ou da dívida. É a da evasão fiscal. Porque ela condiciona tudo e é a maior fonte de iniquidade entre portugueses que pagam e não pagam, entre empresas que cumprem e as que não cumprem. Emitir uma factura ou não o fazer faz toda a diferença e vai ser cada vez pior. O aumento do IVA nos restaurantes para 23% pode fazer com que os mais cumpridores possam ter de fechar as portas devido à concorrência desleal dos que sempre fugiram e vão fazê-lo ainda mais. É contra esta bomba-relógio gerada pela austeridade que seria importante tomarem-se medidas estratégicas.
Deixo por isso aqui uma ideia, defendida por muita gente que há anos luta contra a criminalidade e a evasão fiscal: acabar-se com as notas e moedas. Ou seja, o fim do dinheiro físico, tornando-o ilegal. E em vez disso, transacções electrónicas através de cartões.
Se todas as compras e pagamentos fossem feitos através de 'multibancos', haveria rasto para o dinheiro. Haveria uma forma de comparar as declarações de rendimento com o património. Os tribunais e o Fisco (desde que mandatado para o efeito) teriam uma forma de comparação entre os rendimentos declarados e as transacções. E uma razão legal para vigiar a saída de capitais não justificados. Há vontade política para se equacionar esta decisão?
Problemas práticos: como pagar tudo com cartões? Todas as pessoas necessitariam de ter conta bancária. Ora, havendo um banco do Estado (a Caixa Geral de Depósitos), quem não quisesse ter conta bancária normal, poderia ter uma conta simplificada - com o menor número de dados e sem custo mensal. Teria direito a um cartão multibanco e a um porta-moedas electrónico. E dessa forma poderia fazer pagamentos directos a qualquer pessoa que tivesse qualquer tipo de comércio ou serviço.
Hoje em dia, com os terminais de pagamento sem fios, até as couves na feira podiam ser pagas com multibanco. Mas para micropagamentos poderia ressuscitar-se o porta-moedas electrónico - nos táxis, na padaria, na compra de um jornal. Entretanto, qualquer pessoa que prestasse um serviço (uma limpeza, um trabalho de pichelaria ou uma obra de costura) poderia receber por NIB ou passar a ter um terminal electrónico para receber. Mais: do ponto de vista do consumidor, qualquer telemóvel poderia fazer pagamentos com segurança porque esse tipo de aplicação já existe.
Não parece demasiado complexo que Portugal, um país com uma cobertura bancária e de multibanco excelente, com uma rede de dados sem fios extraordinária, possa ser o primeiro país do Mundo a testar uma solução destas, embora o ideal fosse que a Zona Euro mais tarde ou mais cedo funcionasse assim. Uma ideia destas tornaria igualmente inúteis os sucessivos assaltos a caixas multibanco, porque elas deixariam de ter dinheiro. Além disso, eliminaria o custo da produção de notas e moedas.
E os turistas de fora da Zona Euro? Pagariam com cartões (de crédito ou bancários dos seus países) ou é-lhes oferecido um cartão, à entrada em Portugal, onde poderiam trocar dinheiro físico por dinheiro electrónico. E receberiam de volta o dinheiro que não gastassem, trocando-o de novo à saída, no aeroporto. Tudo isto com muito maior segurança para transportar valores - aliás, coisa que seria verdade para estrangeiros e portugueses.
A economia paralela que se meteria dentro do sistema com uma medida destas chegaria para evitar tantos apertos aos que pagam. O aumento de transacções de IVA e a menor fuga ao IRC e IRS far-nos-iam tapar o buraco do défice mais rapidamente. E entraria mais dinheiro no sistema bancário, coisa fundamental neste momento.
Claro que haverá muitas questões técnicas e de pormenor que faltam garantir face às premissas que aqui deixo. Mas quando há vontade, tudo se resolve. E Portugal precisa de uma causa que nos una a todos. Ora esta não só geraria mais receita, como mais justiça. E daria a justa imagem da vanguarda do sector bancário, telecomunicações e electrónico, sector em que somos dos melhores do Mundo, quiçá os melhores. Vamos tentar?