<p>O actual governo lidera Portugal há cinco anos e meio. O actual primeiro-ministro foi governante em 12 anos e meio dos últimos quinze. Estes factos são evidentes para todos os cidadãos, não decorrendo da dúvida natural que resultaria de serem divulgados por um dos interlocutores de uma conversa privada a dois.</p>
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Após estes doze anos e meio de responsabilidades governativas do Eng. José Sócrates, Portugal tem setecentos mil desempregados, onze por cento da sua população activa (recorde negativo de trinta e cinco anos de democracia).
Após estes doze anos e meio o País está em estagnação económica há três anos, com um défice orçamental de nove por cento da riqueza nacional. A dívida pública bate recordes históricos e o País pararia não fora continuar endividar-se a um ritmo de cerca de mil milhões de euros mês (uma ponte Vasco da Gama, meio TGV, vinte pontes sobre o Douro, ou dez grandes hospitais por mês!). A nossa credibilidade, ou a falta dela, faz com que já poucos queiram continuar a emprestar-nos dinheiro e obriga-nos a pagar juros que quase duplicam os que são pedidos a grandes grupos como a EDP e que são o triplo do que pagam a maioria dos estados soberanos da Europa.
Face a este quadro calamitoso o nosso sistema financeiro esteve nos últimos meses, por vezes repetidas, perto do colapso. Face a este quadro Portugal esteve na iminência de colocar a sua soberania na mão de terceiros que aqui viessem colocar casa em ordem.
Isto não suscita confirmação do sigilo de uma conversa a dois. Isto é público e evidente aos olhos receosos de milhões de Portugueses. Foi neste quadro de desespero nacional que Pedro Passos Coelho, com grande sentido de responsabilidade e contrariando compromissos assumidos aquando da sua eleição, apoiou, no início do Verão, um plano de emergência - o PEC, visando o equilíbrio das finanças pública e o cumprimento de compromissos internacionais.
As semanas foram passando com o PSD a alertar permanentemente para sinais que pareciam apontar para a persistência do agravamento da crise. Durante o mesmo período, com o Ministro das Finanças estranhamente ausente, o Primeiro Ministro desmultiplicou-se em micro inaugurações, anúncios e comícios, em que transmitiu a mensagem da normalidade. As medidas aplicadas teriam sido correctas, suficientes e estariam a dar os resultados esperados.
Foi nesta sequência que o PSD enquadrou um previsível apoio a um Orçamento de Estado que, cumpridas as metas das medidas de austeridade deste Verão, cumprisse duas premissas óbvias e indiscutíveis. Continuasse a diminuir a despesa pública supérflua e não penalizasse mais a cidadania, através de uma redução das deduções fiscais.
Perante a perplexidade geral José Sócrates rejeitou de imediato este enquadramento minimalista e benévolo. Fiquei nessa altura convencido que o Primeiro Ministro já tinha desistido da sua missão e que só procurava um bode expiatório para explicar a inevitabilidade de colocar um qualquer FMI ao leme da nossa governação. Os factos subsequentes vieram reforçar esse meu pressentimento.
Esta semana o Primeiro Ministro chamou o líder da oposição e comunicou-lhe a sua vontade de negociar o Orçamento de 2011. Mas com uma condição prévia. Não cederia na sua decisão de avançar com parte do corte das deduções fiscais e Passos Coelho teria que dar o seu apoio púbico a uma nova e imediata escalada de impostos - entre outros do IVA, presume-se. Perante uma resposta negativa do PSD divulgou, parcial e truncadamente, uma conversa privada, narrando o que apelidava de "irresponsável" nega de Passos Coelho e omitindo a "proposta indecente" de aumento de impostos.
É importante para uma avaliação ética dos principais candidatos à governação saber qual falou verdade. Os Portugueses são lúcidos e ouviram na mesma tarde Teixeira dos Santos no Parlamento admitir o falhanço relativo do trajecto austero do último trimestre e assumir a inevitabilidade da subida de impostos. Ouviram igualmente Sócrates em Nova York aceitar essa inevitabilidade, mascarando-a com um discurso desesperadamente populista. "Terão que vir mais impostos, para não ter que tocar nos direitos na saúde e na educação", concluindo com o estribilho habitual: "O PSD quer lançar o País numa crise, o PSD é irresponsável!! Harry Potter não faria melhor!!! Quem fala verdade? Os Portugueses decidam. Não me parece que precisem da gravação da tal conversa privada.
É com este cenário que o Presidente da república, responsavelmente, chamou os partidos a Belém. Era bom que essas audiências quebrassem alguns com alguns dogmas. O primeiro o que procura sacralizar a necessidade de aprovar um qualquer orçamento. Um bom orçamento deve ser apoiado, um orçamento que agrave o nosso caminho futuro deve ser rejeitado.
O segundo o que considera como uma fatalidade uma nova subida de impostos. Mais impostos vão significar a asfixia final da nossa economia e a solução, por mais dolorosa que seja, tem que estar no lado da queda das despesas de um Estado "gordo" e centralista.
O terceiro o que aponta para o PSD como o ponto de uma peça sem sucesso, sem público e ruinosa para o produtor. O PS também faz maiorias com o CDS, com a CDU e com o Bloco de Esquerda. E nesta conjuntura, com este último, até partilham o mesmo candidato presidencial.
O quarto o que recusa aceitar que em democracia existe sempre uma solução, auscultar a vontade popular. Talvez o talento e a seriedade de Cavaco Silva, de momento a referência intocável do regime, consiga o "impossível": a conjugação da passagem de orçamento sofrível retocado com ao compromisso de ouvir o povo no inicio do próximo Verão. Até lá, teremos que ir ouvindo os acordes de uma valsa, de seu nome "Autumn" (Outono), que, com entusiasmo e profissionalismo, e também inconsciência, tocava no momento da tragédia do Titanic, cujo naufrágio marcou um dos mais míticos acontecimentos do século XX.
É essa valsa que parece estar a ser tocada pelo actual Governo, sob a batuta do engenheiro Sócrates, enquanto o País se afunda.