No domingo passado afirmei aqui que António José Seguro precisaria, mais do que ninguém, de ser o vencedor inequívoco destas eleições autárquicas. E foi-o. Em toda a linha, seja qual for o prisma por que sejam encarados os resultados. Mas porquê a importância acrescida para ele de ganhar claramente estas eleições?
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É evidente que no quadro político atual, apenas o PS e o PSD podem aspirar a governar o país. Sozinhos ou coligados, nas próximas eleições legislativas um deles formará governo. Ora acontecendo a meio da legislatura, as eleições locais têm uma dupla importância - permitem sempre uma leitura nacional dos resultados, podendo ser entendidas como uma megassondagem à atuação do Governo; e colocam no terreno um conjunto de autarcas, com uma ligação próxima com os cidadãos, que são um suporte relevante para a seguir ganhar as eleições legislativas. Esta é a tendência. Contudo, e apesar de ser esta a tendência, nem sempre foi assim.
Com Cavaco Silva como primeiro-ministro, o PS ganhou as eleições autárquicas em 1989, a meio da legislatura começada em 87, e o PSD ganhou as legislativas seguintes, em 1991, reforçando até a maioria absoluta de que já dispunha.
Mas eram outros tempos. Vivíamos o período dos grandes investimentos alimentados pela cornucópia de fundos da comunidade europeia, a construção e obras públicas estavam no auge, o PIB crescia a valores impressionantes e o poder de compra das famílias engordava. Na altura, a explicação que se dava para esta aparente contradição no sentido de voto era a de que os portugueses, sensatamente, não gostavam de colocar todos os ovos no mesmo cesto. Fizeram-no nas eleições locais como já o tinham feito nas presidenciais, elegendo Mário Soares contra a corrente de jogo. Mas foi sol de pouca dura. Logo a seguir a sensatez esgotou-se e os ovos foram mesmo todos parar ao mesmo cesto.
Porém, os tempos são hoje bem diferentes. A crise instalou-se, a pobreza não deixa de aumentar, o investimento é residual e a bolsa dos portugueses está cada dia mais curta.
Não foi, por isso, de estranhar que Passos Coelho, sabendo isto, tenha procurado desvalorizar as eleições autárquicas muito antes de elas acontecerem. "Que se lixem as eleições" ou "nestas eleições não é o Governo que vai ser julgado", foram algumas das suas declarações em diferentes intervenções políticas. O primeiro-ministro sabia muito bem que, apesar da almofada que o perfil dos candidatos sempre representa em eleições locais, não escaparia a um julgamento de nível nacional face à degradação económica e social que tem protagonizado. Quem no meio de uma crise com a dimensão da de julho passado afirma não abandonar a liderança do Governo, não será seguramente sensível a nenhum sinal dado pelos eleitores em eleições autárquicas, por mais nítido que ele seja. É mais do que certo que Pedro Passos Coelho tudo fará para se aguentar até às próximas legislativas.
Outro era o problema de António José Seguro. Vencedor indiscutível dos dois congressos do PS e, por isso, reforçado internamente, ia contudo sendo fragilizado por diferentes analistas que colocavam permanentemente António Costa na sua sombra. Uma sólida vitória socialista na Câmara de Lisboa, como se previa que acontecesse e aconteceu, e um mau resultado para o PS a nível nacional, deixaria Seguro à mercê de especulações alimentadas por críticos internos e inimigos políticos. Só que o resultado eleitoral não permite dúvidas. Bem pode dizer-se que se perderam algumas capitais de distrito emblemáticas, que o Partido Socialista teve menos votos do que em 2009, que não houve grande cuidado e autoridade na escolha dos candidatos. Podem fazer-se todas as análises e mais alguma. No fim de contas, o PS ganhou 150 câmaras municipais e o PSD 106; e venceu as eleições com mais votos do que os dois partidos da coligação somados. Seguro venceu esta primeira prova de fogo e é, objetivamente aos olhos do país, um líder mais forte e mais credível. E a verdade é que muito fez para que isso acontecesse. Correu o país de Norte a Sul, de Este a Oeste, comprometeu-se e arriscou. Foi incansável. E uniu em vez de dividir. Todos conseguimos imaginar como tudo seria diferente se o PS tivesse perdido estas eleições ou as tivesse ganho por pequena margem.
António José Seguro precisava desta vitória e conseguiu-a. Inequivocamente.