União Europeia, os cenários da próxima fase de integração
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Estamos em maio a um mês das eleições europeias em junho, em julho realiza-se a cimeira da NATO em Washington, uma nova Comissão Europeia e um novo Conselho em setembro, eleições americanas em novembro. Ao mesmo tempo, duas guerras sem fim à vista, a preparação de um novo alargamento ao leste europeu, no horizonte a ameaça de uma nova guerra fria. Não há qualquer dúvida, a contingência europeia é por demais evidente. A próxima fase de integração é, claramente, o momento da verdade para a União Europeia. Vale a pena, por isso, uma breve incursão pela prospetiva europeia no horizonte 2030. Assim, no plano programático podem ser defendidos três cenários europeus possíveis, com graus de verosimilhança muito diferenciados e inúmeras implicações para os níveis nacional e regional: uma Europa de inspiração mais federal, uma Europa mais intergovernamental e uma Europa unionista na linha histórica da chamada Europa comunitária.
Uma Europa de inspiração mais federal
Uma Europa de inspiração mais federal tem mais competências próprias, recursos fiscais mais substanciais e um orçamento de características federais e mais neokeynesiano. Em tese, podemos dizer que, de acordo com o princípio de subsidiariedade, a high politics e as macro funções financeiras e económicas ficariam sedeadas no Estado Federal, a mesoeconomia e as funções de promoção e regulação do desenvolvimento económico e social ficariam sedeadas nos estados federados e a microeconomia, o desenvolvimento territorial e regional, o empreendedorismo e o emprego, ficariam sedeados nas regiões, nas cidades e no universo associativo, isto é, a Europa das Regiões e das Cidades poderia ter, neste contexto, uma enorme margem de progresso à sua frente. De resto, se existir equidade e distribuirmos bem o crescimento pela Europa das Regiões e Cidades os movimentos regionalistas de cariz nacionalista perderão uma parte importante da sua razão de ser. No final, já não se trata tanto de promover o regionalismo e o nacionalismo políticos, trata-se, antes, de promover uma boa cooperação territorial descentralizada tirando partido do mercado único e das inúmeras oportunidades que oferecem, doravante, as redes colaborativas da sociedade da informação e do conhecimento que emergirão um pouco por todo o lado.
Neste cenário, porém, o novo equilíbrio de poderes é muito sensível e depende bastante da qualidade política da governança multiníveis. Seja como for, é um cenário político e institucional que pode, na atual conjuntura política, dramatizar e alimentar ainda mais alguns movimentos nacionalistas. É certo, no final, tudo depende da dimensão e das prioridades do orçamento federal em matéria de política de coesão territorial, mas no atual período de programação até 2027 não se afigura provável uma revisão dos tratados europeus nesta linha mais federal.
Uma Europa mais intergovernamental
Não podemos excluir a possibilidade real de um reajustamento em baixa do projeto europeu, para corresponder às atuais expectativas da opinião pública europeia e para calibrar melhor os fins e os meios da construção europeia. Se quisermos, uma Europa mais liberal, regulatória e, também, mais barata. O modelo liberal de cooperação e integração significaria um reajustamento no atual modelo político-institucional da União Europeia, isto é, as instituições de integração dariam lugar a instituições de cooperação e regulação, mais intergovernamentais, mais leves e mais baratas. Esta é, digamos, a hipótese britânica que, todavia, na presente conjuntura tem um grau de verosimilhança muito reduzido. É importante não esquecer o viés corporativo e a inércia das instituições europeias que, só por si, são um impedimento de monta face a qualquer reforma institucional em baixa.
Uma Europa mais unionista ou mais híbrida
Esta é a Europa atual que poderíamos definir, genericamente, de competências e recursos partilhados e regulação institucional quanto baste e tendo em pano de fundo um envelope orçamental reduzido a 1% do PIB da União Europeia. Perante a elevada contingência europeia atual duas saídas são possíveis, uma mais incremental, outra em modo de urgência. No primeiro caso, é possível, apesar de tudo, um entendimento alargado em direção a algumas reformas para a união económica e monetária, algumas novidades no plano institucional, em especial no Eurogrupo e, também, na área da defesa e segurança. No segundo caso, o modo de urgência é acionado pela eclosão de um cisne negro nas relações internacionais com algumas derivações perigosas para a democraticidade interna da União Europeia, por exemplo, uma escalada russa na Ucrânia ou no báltico, uma nova vaga de refugiados, um novo problema grave nos Balcãs, um aumento do terrorismo internacional, novas guerras na fronteira leste da Europa (Geórgia e Moldova), a explosão de novos nacionalismos e regionalismos independentistas, uma crise grave na energia e nos mercados financeiros, etc.
Na Europa unionista, os conceitos de cooperação reforçada e cooperação estruturada legitimam uma tecnologia política dos acordos fora dos tratados e dos fundos financeiros fora do orçamento que tem mostrado muita elasticidade tática e estratégica e permitido que a integração europeia progrida apesar das dificuldades de percurso, como é notório e evidente para todos os cidadãos europeus. Assim acontecerá, também, na área da segurança e da defesa europeia e a seguir mais algumas reformas na união económica e monetária, na união orçamental e no mercado de capitais. Os períodos de transição diferenciados destas reformas permitirão à Europa unionista salvaguardar as posições nacionais mais reticentes. Do mesmo modo, a mutualização de uma parte da dívida conjunta europeia fará os compromissos financeiros que se afigurem necessários.
Nota final
Tudo leva a crer que o cenário unionista, mais hibrido, funcionalista, pragmático e tecnológico, é aquele que está mais em linha com os sinais do tempo. É, além disso, um cenário que consente diversas velocidades e formatos de integração. No limite, numa Europa unionista podem coexistir várias cooperações estruturadas num núcleo duro de integração e dois ou três modelos de integração diferenciada para distintos grupos de países em estádios menos avançados do processo de integração.
Num contexto de grande severidade no ambiente internacional, os conflitos de origem e natureza nacionalista e regionalista pertencem a outra ordem de grandeza, mas funcionam como um alerta muito relevante em matéria de governação multiníveis.
Enquanto o crescimento económico ajudar o problema da desigualdade regional não será tão grave, mas não estamos longe de um limiar crítico de desigualdade territorial que pode alimentar a próxima vaga de nacionalismos e regionalismos. Vamos precisar de uma nova geração de políticas da coesão. Fica o aviso.