Universidades e financiamento
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Há em Portugal um significativo desconhecimento sobre a realidade atual das universidades públicas. Sobre a sua missão, a sua qualidade, o seu potencial e o seu modelo de financiamento. Este défice de informação, dirão os académicos, deve-se à circunstância de termos uma população pouco letrada, incapaz de descortinar o valor do conhecimento no sucesso das sociedades. O cidadão comum e as empresas, por sua vez, tendem a olhar para a academia como um clube de sábios, uns mais do que outros, que se fecha na sua torre de marfim, pouco interessado em partilhar o que faz, como o faz e por que razão o faz. Como em quase tudo na vida, a culpa é repartida. Razão pela qual se exige uma maior aproximação entre academia e sociedade.
Numa semana difícil, em que reitores e tutela suspenderam e, por iniciativa do primeiro-ministro, retomaram o diálogo em torno do orçamento do Ensino Superior, deparei-me com alguns comentários que sugeriam que as universidades estariam pouco disponíveis para acompanhar o resto do país no esforço de reequilíbrio das finanças públicas, pugnando por garantir integralmente as transferências do Estado que lhes permitem receber os seus salários certos e manter a sua vida tranquila. Esta leitura não vem apenas do cidadão comum. Pude encontrá-la também em atores da vida económica, como empresas e mesmo a Banca.
Vale, então, a pena clarificar um par de questões. Desde logo, não está, nem nunca esteve, em cima da mesa das negociações entre reitores e tutela qualquer questão de natureza salarial. Os professores universitários estão, como todos os outros funcionários públicos, sujeitos aos cortes conhecidos e não se alheiam do esforço coletivo, apesar da fragilidade de um modelo de ajustamento cego, sem critério.
O que está em causa são os cortes ao orçamento de funcionamento das universidades. E para que não restem dúvidas de que não há conforto nem dependência do Estado, passo a descrever o respetivo modelo de financiamento. Assim, uma universidade pública típica tem o seu orçamento constituído por três grandes parcelas do lado da receita: as transferências do Estado, que valem metade; as receitas próprias (projetos de investigação e prestação de serviços especializados), que valem um terço; e as propinas (são também receitas próprias) que valem um sexto. É bom de ver que metade do orçamento são receitas próprias, que é preciso captar todos os anos, numa base competitiva em instâncias nacionais e internacionais.
Dá-se o caso que o valor dos salários é, no mínimo, 75% do orçamento e pode ascender a 90%. Isto significa que as transferências do Estado estão muito longe de pagar sequer os salários, pelo que os professores universitários, os tais que muitos acham que levam uma vida calminha com o vencimento sempre certo, têm de lutar, para além das atividades letivas a que estão obrigados, pela captação de verbas que, entre outras coisas, servem para lhes pagar os vencimentos.
Acresce ainda o facto de as universidades públicas não gerarem défice e, por maioria de razão, não gerarem dívida. Em palavras simples, não se endividam na Banca (a lei nem sequer o permite), nem beneficiam de indemnizações compensatórias, tal como acontece com quase todas as empresas públicas.
Com este modelo de financiamento, quando o Estado corta na sua parcela (algo como 25% nos últimos quatro anos), é preciso compensar com captação de mais receitas próprias. Mas este exercício tem um limite, que é justamente aquele que separa o professor-vendedor, que anda à caça do dinheiro para a subsistência, do professor que leciona e que investiga, na medida do equilíbrio que garanta a qualidade. É certo que pode e deve captar receitas próprias, por via da atração de mais alunos (propinas) e por via do financiamento de projetos de investigação, sobretudo na muito competitiva arena internacional. Mas ao Estado cabe garantir uma boa parte desse financiamento, pela simples razão de que as universidades prestam um serviço público, tal como os hospitais ou os centros de emprego.
No final do dia, é sempre legítimo questionar a qualidade do serviço prestado. A última avaliação independente da "Universitas 21", que compara os sistemas nacionais de Ensino Superior, coloca Portugal no 22.° lugar à escala global. Convenhamos que é bom!