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O Chega aumenta o número de deputados, o fundador da Prozis põe no ar um anúncio contra a despenalização do aborto… Alguém que vá ver se está tudo bem na prisão de Vale de Judeus porque, pelo vistos, 2024 está a repetir-se.
O Miguel Milhão é uma espécie de espantalho, como a ex-atriz e atual deputada municipal pelo partido Chega Maria Vieira. Estamos em 2025 e ainda há títulos de notícias que começam com "Maria Vieira arrasa..." Alguém ainda quer saber? É porque a verdade é que este empresário não é uma pessoa muito interessante por si. Alguém que se autointitula "Guru Mike Billions" não é efetivamente ninguém a pedir para ser levado a sério. Não diz coisas minimamente estimulantes, não tem uma história impressionante, talvez a coisa mais curiosa da sua biografia seja o que está na sua entrada da Wikipédia: "Miguel Milhão afirma ter nascido em Braga, a 29 de fevereiro de 1983, apesar de 1983 não ter sido um ano bissexto e, portanto, não ter havido dia 29 de fevereiro nesse ano". Acho até que só esta informação diz tudo o que há para saber sobre ele.
O que me faz dedicar algum tempo à polémica deste empresário é uma única coisa: o anúncio publicitário. É que, como publicitária, posso analisar o filme na sua versão mais longa, do ponto de vista profissional. A realização não é má, mas já o guião é sofrível. Nenhum médico chega à sala de operações e pergunta ao paciente já deitado na mesa "que procedimento vem fazer" como quem vem à mesa da esplanada e pergunta: "O que é que vai ser? Hoje temos iscas e massada de garoupa". Depois, vemos uma fila de mulheres a tirar senha, como se o porco-preto estivesse em promoção no SNS, enquanto um tipo identificado como "Estado" está a carimbar papéis a alta velocidade. O Estado a despachar burocracias. OK. Isto é realmente ficção científica. Especialmente porque, na cena seguinte, vemos uma série de camas com mulheres deitadas, sendo que há espaço para todas. Depois do procedimento, vemos uma enfermeira a deitar um saco ensanguentado no lixo, mas afinal tudo era um sonho, porque na cena seguinte já nos mostra o bebé Miguel que, a julgar pelo que vai dizendo por aí, continua profundamente infantil. No final, o anúncio fecha com "obrigado. mãe". Borrifando no vocativo. Deveria ser "obrigado vírgula mãe". E isto já não é como publicitária, mas como pessoa que acabou com aproveitamento a educação primária.
Já são milhares as queixa à ERC pela distribuição do anúncio nos canais de televisão da Media Capital por ir contra direitos fundamentais. Imagino que, mesmo caso se entenda que viola as regras, os fãs deste conteúdo vão fazer questão que continue a ver a luz do dia, dado que mesmo em caso de violação, não se deve ter o direito de escolha. Ora, a verdade é que o filme não vende um serviço, não vende um produto, trata-se de um anúncio contra a despenalização do aborto. Quem se zangaria publicamente com o Miguel Milhão da Prozis é o Miguel Milhão da Prozis que, em 2023, veio a público manifestar-se contra um anúncio de Natal de uma empresa de telecomunicações que mostrava uma história de amor entre duas pessoas do mesmo género dizendo que "é propaganda" e "deviam concentrar-se em vender produtos".
Podemos estar todos com receio do ataque ao progresso que se fez nos últimos antes e podemos passar dias a tentar demonstrar com dados reais que efetivamente o número de abortos depois da despenalização diminuiu, que não é por se penalizar o aborto que ele diminui, que os gastos no SNS com procedimentos seguros é muito inferior ao que era gasto no tratamento de abortos ilegais que corriam mal, que o que reduz o número de abortos é a aposta no planeamento familiar, no acesso gratuito a contracetivos ou na promoção da educação sexual nas escolas. Mas se uma das máximas do mundo dos negócios é a de que "tempo é dinheiro" e, a verdade é que a Prozis é uma empresa com sucesso, o tempo que este cidadão dedica a provocar nas redes sociais faz-me crer que há realmente um lucro nisto, porque ele passa dias inteiros a provocar na internet.
É que não é o seu primeiro anúncio do género. Em 2024, fez um com a mesma temática que passou na RTP e que deu polémica o suficiente para se afirmar que foi uma estratégia que gerou retorno financeiro para a sua marca. Nesse anúncio celebrava o dia da sua fecundação. E logo aqui devíamos ter percebido que o fundador da Prozis não era um homem para se fazer caso. Não sei, é possível que seja só eu a achar muito esquisito alguém assinalar o dia em que o seu pai ejaculou dentro da mãe.
Alguém que, como o empresário Miguel Milhão, se autointitula "Guru Mike Billions" não é efetivamente alguém para ser levado a sério. Talvez a coisa mais curiosa da sua biografia seja o que está na Wikipédia: "Miguel Milhão afirma ter nascido em Braga, a 29 de fevereiro de 1983, apesar de 1983 não ter sido um ano bissexto e, portanto, não ter havido dia 29 de fevereiro nesse ano".